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terça-feira, 24 de setembro de 2013

Mais, menos, melhor, pior, culpa, não culpa



Estou gostando muito dos textos que estou lendo esta semana. O que eu acho uma pena é que não possamos sentar num boteco animado, pedir umas biritas (quem bebe), uns sucos naturais (quem não bebe), umas guloseimas de boteco e colocar tudo no diálogo, sem os meandros e mal entendidos da palavra escrita. Porque ao vivo, se a pessoa não te entendeu, você tem a chance de explicar logo.

O problema de textos sobre maneiras de se cuidar dos filhos é que tendemos a polarizar tudo que está escrito e a ver quem escreve como um juiz de nossos próprios atos, ainda mais se o que a pessoa descreve como melhor, mais, não é bem o que fazemos em casa. Problema maior é se esse texto vem de outra mãe. Desastre na certa se temos uma culpinha ali, um assunto mal resolvido acolá.

Quando comecei a ler os blogs sobre maternidade eu era bem mãezinha, tadinha de mim! Na minha ingenuidade eu achava que tinha que ser cuidada na gravidez, que os outros decidissem por mim porque eu já estava ocupada demais em gerar o meu bebê. Eu entraria fácil fácil para o esquema cesárea agendada, leite artificial, chorar até dormir, colo não, embalo não (tá, esses eu ainda fiz um pouquinho), esquema militar de rotina para um bebê recém nascido (esse eu entrei de cabeça).

Daí eu comecei a ler sobre partos, não partos. Nossa! Que ridículo! As pessoas brigam por isso? Cada um na sua, vai. Amamentar, leite artificial? Nossa, nunca mamei e tô aqui, viva e saudável. Sobrevivi! :) E assim por diante.

Mas os textos borbulhavam em mim, linkavam, mostravam artigos, livros, depoimentos. E a informação abriu o véu sobre meus olhos. E um maravilhoso mundo novo, apesar de solitário, ao menos na vida real, se abriu para mim. E eu cresci, e mudei, e aprendi e tenho a chance de trabalhar culpas, sombras e aspectos da minha vida pessoal que teriam ficado largados enquanto eu sorriria para o mundo que me chamava de mãezinha!

E a filha nasceu, mamou, cresceu e vieram outros aspectos para se trabalhar. O cuidado, a alimentação, a atenção, o apego, a disciplina. Mas agora eu já estava sem o véu. E tudo ficou mais DIFÍCIL. E eu concluí no início da minha maternidade de dois que ser mãe é a coisa mais difícil da vida toda, de toda vida (já disse isso antes, eu sei)!

Não raras vezes eu quis bater a porta da responsabilidade às minhas costas e sair correndo, de preferência com marido, para uma praia deserta e que alguém, por favor, me desse aquela pílula que faz a gente esquecer tudo! Porque ir para uma praia deserta só com marido mas lembrando que os filhos ficaram em algum lugar, não é divertimento, né? Não nessa minha fase atual. Um dia será, mas não hoje.

Ter sob sua responsabilidade seres em formação é de uma carga tamanha que com certeza faz fraquejar qualquer um. Eu fraquejo todo dia! E é aí, nessa fraqueza, que mora o perigo, o perigo de delegar a outros uma responsabilidade que é minha (e do pai).

(Só a frase acima já me faz pensar muito e há pouco tempo ela vem ganhando variações. A responsabilidade da criação dos filhos é sim, em primeira instância, dos pais, mas também existe, ou deveria existir, uma responsabilidade que é da coletividade, tenha essa coletividade filhos ou não, queira-os essa coletividade, ou não. Mas isso fica para depois, outro momento, se um dia conseguir tempo para escrever.)

Obviamente não estou falando que não podemos aliviar a carga com a ajuda de outras pessoas, mas não podemos nos iludir: a responsabilidade de toda e qualquer coisa que aconteça com seu filho, é sua, é da mãe E do pai dos bacuri. Ainda mais se o resultado esperado não for satisfatório. Todos perguntarão: e onde estava a mãe desse menino/menina? Quase ninguém pergunta pelo pai, avó, tio, pediatra, professora, aiai.

Então, arregacemos as mangas, respiremos fundo e sigamos juntas, ainda que por caminhos diferentes!





quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Como deixar momentos vividos, ou Carta aos Avós



Hoje eu quero falar de presentes. Não daqueles comprados nas lojas, alguns muito modernos e que prometem mil e um resultados, outros mais simples, prometendo a volta do lúdico à infância. Eu os considero importantes, mas não mais importantes que o melhor dos presentes: histórias para contar.

Eu acho muito legal quando vejo meu caçula brincando com a moto que monta e desmonta que ganhou dos avós. Acho lindo e o considero o bebezico mais inteligente da face da terra, como só toda mãe e todo pai são capazes de pensar.

Eu também acho fofo quando minha primogênita brinca alucinada com o jogo de canetinhas que saem na água (obrigada tecnologia!) ou com as bonecas que ganhou, também, dos avós. Acho lindas as garatujas que brotam coloridas no papel branco e quero emoldurar cada uma delas para decorar meu hall de entrada.

Os meus filhos ganham muitos presentes, muitos mais do que eu costumava ganhar quando era criança e, com certeza, muito, muito mais do que os meus pais e os pais do marido costumavam ganhar na infância.

Lembrando do contexto de cada vivência não é difícil compreender o motivo pelo qual @s av@s e ti@s adoram presentear nossos filhos. Mesmo quando pedimos encarecidamente a eles que não o façam, pois não temos mais onde guardar tantos brinquedos. Eles estão dando aos nossos filhos aquilo que não puderam dar aos seus próprios filhos e, muito mais, aquilo que não puderam ter. É uma realização no outro. E todas as propagandas estão aí para nos dizerem que o presente é uma demonstração de amor. E ainda deixa as crianças mais inteligentes.

E hoje, comprar um carrinho ou uma boneca, uma bola ou um jogo está tão mais barato! E as crianças ficam tão felizes quando ganham presentes! Como não dar? Como resistir?

Bem, eu vou contar uma historinha...

Era uma vez o Seu Maneca, pai de muitos filhos, avô de tantos netos. Acordava cedo, antes do sol raiar. Saía a trabalhar. Na saída já avisava aos netos que estavam passando férias em casa que os levaria à praia, para dar um mergulho. A promessa era sempre cumprida. 

Seu maneca ensinava a nadar, a pular ondas, a caçar tatuíra e marisco na areia. Ensinava também a assoviar e a colher bergamota e goiaba. Ah! E sempre avisava que não era bom comer o umbigo da laranja. Era amargo!

Seu maneca buscava xis salada na beira da praia para a janta. Mas não sempre, porque fazia mal. Comprava milho verde quentinho, com manteiga e sal.

Depois de um dia de trabalho, brincava de baralho. E valendo dinheiro! Ah...esse seu Maneca. Tinha uma lata de biscoito cheio de moedas dos tantos planos cruzeiro, cruzado, cruzado novo...nem ele sabia mais. E dizia que eram moedas de "mi réis".

E a VÓ? Ah...a VÓ. Era ela quem fazia a melhor canja de galinha, os melhores sanduíches de presunto e queijo do café da manhã. E seu beijo tinha gosto de café.

No fundo do armário ela escondia bombom, que distribuía assim: um só. Porque doçura demais faz mal.

Tinha bolinho de chuva, tinha rosquinha de polvilho. Tinha conversa fora no sofá da sala, entre uma reclamada e outra para que o pé ficasse no chão.

E ela fazia piadas. Tirava uma com a cara da gente. E quando ria, ria. Chorava de tanto rir, os olhos pequenos, brilhando.

Tinha banho para tirar o encardido. Banho rápido, que não se pode gastar muita luz!

Eu não lembro de nenhum presente que eu tenha recebido dos meus avós. Nenhum. Eu sei que eles existiram. Mas eu não lembro. Não foram importantes para mim.

Importantes foram os momentos construídos. Esses sim ficaram bem guardadinhos e vez ou outra esses momentos viram histórias para contar.

Brinquedos não viram histórias para contar.

Momentos vividos, sim.






terça-feira, 17 de setembro de 2013

O Menino e o Balão

Imagem: O Balão Vermelho (1956)


Sou água, que corre

Sou vento, que estremece

Sou fogo, que agita

Sou terra, que anoitece.

Assim, devagarinho, eu vou me redescobrindo, vou me reencontrando e me reconhecendo. 

Onde estive este tempo todo?

As palavras vão ressurgindo e a mente vai percorrendo o céu de nuvens branquinhas que eu costumava imaginar e contemplar quando criança.

Eu, balão. Daquele que está cheio de gás hélio, sempre querendo alçar voos mais altos.

Lá embaixo, o menino, que ao mesmo tempo em que contempla minha subida destemida, segura a cordinha, e por vezes me puxa para perto de si, para que eu não me perca, para que eu não viaje solitária a contemplar estrelas e sóis universais. E para que ele possa ver um pouco do que seus olhos não conseguem alcançar.

A cada subida, eu busco a essência. Respiro o ar fresco da descoberta.

A cada descida, eu levo um pouco do que vi para o menino que me espera. 

Ele não pode ir comigo. Eu não sou balão longe do céu.

Ele contempla, um mundo que não vê, através dos meus olhos.

Eu esvazio um pouco, para que o ato de me segurar não lhe seja tão difícil.

Ele, pés no chão.

Eu, balão.


Para Daniel, 17/09/2013.




terça-feira, 10 de setembro de 2013

Pequeno Degustador de Feijões

O certo foi desistir.

Eu consigo me manter limpa e minimamente arrumada apenas numa parte do meu dia de trabalho. Pela manhã. Depois disso, eu faço quase correndo o trajeto de 15 minutos até a minha casa para iniciar a honrosa atividade de cozinheira da família. Tenho cerca de 40 minutos para preparar e colocar na mesa uma refeição apetitosa e saudável para três adultos e duas crianças com fome  monstro.

Eu não digo isso para que se compadeçam dessa minha jornada dupla. Não. Longe disso. Eu adoro cozinhar a comida que a minha família come e faz algum tempo que decidi que queria que meus filhos tivessem uma memória afetiva, em relação à comida caseira, muito além da papinha pronta, dos congelados do supermercado, do restaurante a quilo e da pizza de sábado à noite. Desde então eu redescobri a minha paixão pelos alimentos e pela deliciosa - mesmo! - alquimia da cozinha.

Obviamente, nem tudo são flores. Há pouco tempo para exercer de fato essa paixão no dia a dia. É preciso cozinhar com a roupa que eu uso para trabalhar. Quem me conhece sabe que eu não tenho mãos, mas tentáculos desajustados que, sem muito esforço, transformam a cozinha num campo de guerra. E nessa, a roupa pode sair prejudicada para o turno da tarde.

Depois de meses de prática, já consigo sair incólume da cozinha para a mesa do almoço. E é ali, sentadinha diante do meu prato bem servido, que ocorre a sucumbência da roupa imaculada.

Quando meu caçula demonstrou interesse por comida, cerca de um mês antes de completar seis meses de vida, eu comecei a pesquisar formas alternativas de fazer a introdução de alimentos, já que a minha experiência com a irmã havia sido um pouco ruim, ou inexistente, por conta da ida dela para a creche em tempo integral naquela época. Logo no início, numa troca de emails com a Dani, ela me falou de uma técnica, com um nome que não me lembro, que consistia em deixar o bebê comer com as próprias mãos aquilo que ele quisesse. Uau! E bebê pode comer aquilo que quer? Achei revolucionário o negócio, para pouco tempo depois descobrir que é natural comer assim. Não é técnica, é só...sobrevivência.

Eu já não era muito adepta de método e limpeza na hora das refeições, sempre deixei a Ísis fazer a bagunça que quisesse com os alimentos, inclusive comê-lo, então logo me identifiquei com o tal método de deixar comer com as mãos. E ainda por cima havia um vídeo do maravilhoso pediatra espanhol - salve, salve! - Carlos Gonzalez para me fazer crer que nada mais óbvio do que deixar o bebê comer aquilo que quisesse com as próprias mãos.

E assim foi. Não todas as vezes, claro, mas na grande maioria das vezes, os dedinhos gorduchos do Pedro estavam atolados dentro do prato de comida. Dele ou meu. Muitas vezes ele acertava o local correto para colocá-la - a boca -, mas muitas foram as vezes em que o destino era a cabeça, o chão, o meu cabelo.

Com o tempo eu fui percebendo que o fato dele usar as próprias mãos para comer o que quisesse liberava as minhas mãos, olha que legal, para eu comer o que quisesse! Não é lindo isso? Eu achei! E seguimos nesse ritmo até hoje. Claro que há evolução, e mais recentemente ele tomou gosto por comer de garfo ou colher, mas enquanto uma mão segura o garfo e cavoca o prato de comida em busca de alguma coisa, a outra fuça os grãos de feijão, as beterrabas cozidas, os brócolis, os grãos de arroz, o macarrão. E assim ele vai comendo cada coisa na sua vez, o que mais gosta primeiro e o que sobrou depois. Se sobrar espaço, claro. Não raras vezes ele come só a beterraba do prato, ou o brócolis, ou faz uma coisa muito engraçadinha que é catar os grãos de feijão e passá-los da farofa antes de levá-los à boca! Um especialista na arte de degustar alimentos, com certeza, alguém duvida?

Eu contei que nem tudo são flores, né? Tem o efeito colateral. O primeiro é que o Infante Degustador de Feijões parece conhecer aquele hábito centenário de dar um pouco para o santo, de maneira que sempre rolam uns bons punhados de comida lançados ao chão. E o outro é que eu, a mãe, que sento ali do ladinho, sempre sou alimentada por aquelas mãozinhas gorduchas, que nem sempre acertam apenas a minha boca. Um dedinho no molho de tomate e outro no meu ombro, uma palma de mão no caldo de feijão e eia que surge aquela pintura natural na minha manga de camisa, de dar inveja a muita professora de educação infantil. Todo dia. E foi aí que eu desisti.

Desisti de tentar me manter limpa e arrumada durante todo o dia. No começo até tentei trocar a camisa para o turno da tarde, mas percebi que não seria viável. Eu teria que aumentar o número de camisas no meu guarda roupa (e eu ando repensando a necessidade de se ter 12354869 camisas penduradas no cabide) ou eu teria que lavar máquinas e mais máquinas de roupas sujas que não possuem espaço suficiente para secarem na minha lavanderia. 

Então eu desisti.  E descobri que deparar-me com a marca perfeita de um dedinho gorducho pintado em molho de tomate da macarronada do almoço no punho da camisa branca me alimenta o dia.

Como sozinho, faço pintura com as mãos e ainda escovo os dentes!


terça-feira, 3 de setembro de 2013

Descoberta


Eu sonho para sobreviver!

Foi o que ela respondeu ao me ouvir dizer que ela sonhava demais.

Havia mais de uma década que nós éramos companheiros, amigos, amantes, e eu ainda parecia perdido ao lado dela, como se a tivesse conhecido ontem. Parecia que havia uma eterna insatisfação naquela mulher, uma insatisfação que a deixava sempre inquieta, desassossegada, apesar de desejar sempre a calmaria e o sossego. Enquanto eu vivia cada dia com seus acontecimentos triviais, nada muito além da rotina do dia a dia das cidades, ela estava sempre conectada, lendo artigos, participando de grupos de discussão, conversando sobre permacultura, nascimento, amamentação, ecologia, consumismo, feminismo. Eu só queria estar ali.

E então, como que para encerrar uma conversa que eu sabia que reiniciaria mais tarde, disse que ela sonhava demais. E ela havia me respondido aquilo, assim, sem pensar muito: eu sonho para sobreviver. Que diabos ela estava tentando me dizer agora? Eu pensei em perguntar exatamente isso: que diabos?, mas alguma coisa na sua voz, nos seus olhos, que baixaram em direção à areia, me calou. E creio que ela se surpreendeu com a própria frase porque a repetiu, ainda olhando para a areia, parecendo estar surpresa por ter descoberto algo sobre si mesma:

Eu sonho para sobreviver.

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