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sábado, 9 de fevereiro de 2013

Hoje eu só tenho flores para te dar



Hoje, eu só tenho flores para te dar
Para você, cujos olhos de jaboticaba brilham como estrelas numa noite escura
Para você, que tem o cheiro do alecrim roubado do quintal
Para você que veio ao mundo olhando para frente, que engatinha diferente
Para você que tem pele macia e quente
Para você que se aninha nos meus braços, mesmo sendo valente
Que sorri para o vento, que conversa com os passarinhos
Para você, meu menino
Eu desejo todo banho de chuva das tardes de verão
Eu desejo todas as folhas multicores do outono para forrar o seu chão
Eu desejo o céu pontuado de estrelas dos invernos que virão
Eu desejo o horizonte colorido, as frutas do pomar, o cheiro da vida nas primaveras que nascerão
Para você, que eu chamo de infante
Para você meu pequeno galante
Hoje, eu tenho flores para te dar


Feliz aniversário, coisica da mamãe!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Parirás com dor...

 Imagem: arquivo pessoal

Como eu já disse antes, o parto do Pedro consolidou um abrir de olhos para toda uma realidade sequer imaginada por mim. Quis a vida que fosse justamente o parto de um menino que me abrisse os olhos para tanta misoginia e machismo espalhada por este mundo afora. Misoginia e machismo introjetados em mim mesma e que foram passados e repassados por gerações de mulheres e homens desde tempos imemoriáveis.

Mas algo que me martela a cabeça é o quão machistas as reações à dor no parto podem ser! 

Eu já havia lido muitas coisas sobre a dor no parto, mas a ficha do machismo só caiu depois do nascimento do Pedro. Porque a dor esteve presente na segunda etapa do meu parto e durante algum tempo eu senti vergonha por tê-la sentido. Na verdade, eu tive pena de mim mesma, porque o meu parto não havia sido um parto zen, desses que são filmados e fotografados tão lindamente que parecem nem ser de verdade (mas são!).

No meu parto teve grito, teve medo, teve gemido. Teve suor, teve tensão. Teve xixi. No expulsivo apenas, mas teve. E durante alguns meses eu me peguei me culpando por isso, como se eu devesse ou pudesse ter feito alguma coisa para que aquela dor, aquela tensão, aquele medo não tivessem me dominado e quase estragado um dos momentos mais fantásticos da minha vida. Como se aquela dor fosse algo terrível e que deveria ser combatida e não algo que está ali para nos transformar. Como se aquela dor fosse castigo e não glória!

Fossem os homens o gênero que parisse os filhos, a dor do parto seria algo a que (quase) todos os homens gostariam de passar. Seria um marco, uma prova de força, de virilidade, de potência, amor, determinação. Vocês conseguem imaginar um homem se permitindo um corte na barriga por medo da dor do parto? Eu não. E explico.

Nas escrituras sagradas para as várias religiões o "parirás com dor" não viria como um castigo, mas seria algo como "parirás com dor para que tua descendência seja forjada para a força, a competência, a determinação, a transformação..." e por aí vai, nunca a dor masculina viria como castigo. Ela viria como glória!

Os homens incentivariam uns aos outros a terem seus filhos de parto normal. Não seriam taxados de loucos por escolherem trazer seus filhos ao mundo da maneira mais fisiológica - porque eles confiariam que seus corpos são perfeitos e foram feitos para isso, geneticamente aperfeiçoados durante séculos e séculos - e segura para eles e seus herdeiros.

Agendar cesariana? Seria crime! O trabalho de parto e parto seriam eventos dos mais importantes na vida de um homem e só seria socialmente aceito nascer por cirurgia devido a alguma intercorrência cientificamente comprovada como empecilho para o parto normal.

O pai cesariado ficaria contrariado por não conseguir um parto normal, mas saberia que ele e o filho eram mais importantes que a via de nascimento. Toda a família e amigos dariam apoio a esse, sempre no sentido de que numa próxima vez ele conseguirá parir! O mundo dá voltas, cada gestação é única. Que bom que existe uma cirurgia para momentos como esse!

Mas ao invés disso, as mulheres são vitimizadas em sua dor. Não há glória em parir com dor. Parir com dor é, isso sim, um castigo. Ninguém quer ser castigado, ainda mais sem saber muito bem o porquê. Não mereço esse castigo, então não quero a dor do parto. Prefiro a dor de uma cirurgia. Prefiro a não dor da anestesia.

Nós toleramos sentir dor em cirurgias estéticas, sabemos que faz parte do processo, toleramos a dor da depilação (sim, eu acho pior depilar que parir), a dor dos pés em sapatos finos e apertados, as dores nas pernas e na coluna devido ao mal uso de roupas e acessórios.

Mas não toleramos a dor do nascer, a dor da entrega, mesmo sem nunca tê-la sentido.

Se no começo eu sentia vergonha da minha dor, hoje eu sinto orgulho. Sim, eu pari meu filho com dor e a dor foi o menos significante e importante naquele nove de fevereiro. A minha dor não é digna de pena. A minha dor é motivo de aplauso.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Huron Beltane Fire Dance

Há muitos anos eu conheci esta música e naquele tempo eu a colocava sempre que queria levantar o astral, me sentir viva.

Incrivelmente, anos mais tarde, esta música foi a trilha sonora de um dos momentos mais mágicos da minha vida. Eu a ouvi no momento em meu corpo estava se abrindo para dar passagem ao meu filho. Ao ouvi-la meu corpo arrepiou-se com a conexão forte que senti com a Natureza e a emoção foi tão forte e tão prazerosa que chorei.

Coincidência ou não esta música celebra o festival pagão das Fogueiras de Beltane, que por sua vez celebra a fertilidade da Mãe Terra.

Hoje, quando eu a escuto, lembro daqueles minutos mágicos debaixo do chuveiro, acocorada, nua, concentrada na vida que existia dentro de mim e que, logo, viria ao mundo. Nu. Cru. Selvagem. Puro. Humano.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Construindo um nascimento


Imagem: arquivo pessoal

Faz quase um ano que pari naturalmente pela primeira e, muito provavelmente, última vez. Como a concretização do efeito borboleta, eu ainda sinto as ondas de revolução que isso vem causando em mim mesma. Quando eu penso nisso, quase rio de mim, porque, em verdade, eu me sinto diferente, sou diferente, mas ainda sou a mesma.

O que mudou foi a maneira como eu enxergava o mundo a minha volta, minha relação com ele. Eu, Janine, ainda sou a mesma pessoa. Bem, talvez a mesma não, sou a minha versão mais madura, mais experiente até aqui. Sou o melhor de mim até este momento.

Eu soube muito antes de engravidar do Pedro que meu próximo filho nasceria de parto domiciliar. Eu não cogitei outra maneira para ele nascer. Após o teste positivo eu passei mais ou menos cinco meses de gestação arquitetando planos, lendo muito e concatenando ideias para convencer meu marido e as pessoas a minha volta de que parir longe de um hospital seria o melhor, o mais seguro para mim e para o meu ainda desconhecido filho.

Meu marido não foi fácil de convencer. Ele, como todos a minha volta, tinha muito medo de estar fora de um hospital durante um evento tão problemático quanto o nascimento. E se acontecesse alguma coisa? Eu já havia parido num hospital, não estava traumatizada, então por quê isso agora de querer parir em casa?

Eu mesma ainda encontro muitas respostas para esta simples pergunta, ainda que no dia em que ele a fez eu não tenha encontrado nenhuma coerente para dar, a não ser a resposta de alguém que se sente acuado, desencorajado a fazer algo que todo seu ser implora para que seja feito: eu briguei, gritei e por último reivindiquei o parto como meu de direito. O parto era meu e de mais ninguém e eu pariria meu filho como melhor me aprouvesse, com ou sem o apoio dele. Digamos que a partir de então ele tenha ficado sem muitas opções.

Eu acredito que o parto era mesmo só meu? Sim, com todas as letras, sim. Eu acredito que o evento do nascimento de um filho diga respeito apenas à mãe? Não, mil vezes, não. São eventos diferentes e talvez por isso eu tenha escrito relato de parto e nascimento do Pedro, e não apenas relato de parto.

Quando meu marido se mostrou pouco simpático à ideia de um parto domiciliar eu passei a lutar como uma leoa acuada, em defesa da minha ideia, da minha vontade de passar por esta vida com ao menos uma experiência de parto respeitosa para mim e para aquele que viria.

Morando no fim do Brasil, não havia reuniões de grupos de apoio à maternidade para que eu pudesse levá-lo a interagir com outras pessoas. Eu precisaria provar que parir longe do hospital era seguro e viável. Foi um excelente artigo da Dra. Melania Amorim que acabou por convencer o futuro pai do Pedro de que tudo estaria muito bem com um nascimento em casa.

As demais pessoas a minha volta eu desisti de tentar convencer. Se o meu marido, meu companheiro, que me conhece como mais ninguém nesse mundo, havia reagido daquela forma, eu não poderia esperar reações diferentes. Resolvi calar.

Hoje eu percebo que agi como um animal acuado durante todo o processo de construção do meu parto. Eu me sentia lutando contra o mundo, contando com palavras encorajadoras de pessoas que não me conheciam (e ainda não conhecem) pessoalmente. Mas apesar de tudo, em nenhum momento eu duvidei de que conseguiria.

Olhando para trás eu vejo que o início do meu TP naquele dia nove foi apenas a cereja do bolo de um processo que eu já estava vivendo há mais de dois anos. Quando eu percebi que estava em trabalho de parto, eu não quis ninguém comigo.

Ao contrário do que havia lido em vários relatos, onde as mulheres ao perceberem o início do evento esperado corriam a ligar para suas equipes, eu não senti vontade alguma. Eu queria ficar só com meus pensamentos e minhas contrações. E me mantive assim até que meu marido pediu pela milionésima vez que eu chamasse a doula e avisasse que já estava em trabalho de parto.

A doula, muito experiente, percebeu que eu desejava estar quieta e nada fez. Sugeriu uma posição, eu segui. Levou-me ao chuveiro. Contou minhas contrações. Aumentou o volume de uma música quando comentei que gostava muito dela.

E nesse momento eu senti prazer durante meu trabalho de parto. Não prazer sexual, mas eu pude sentir o clímax, o poder de gerar a vida, o poder de se abrir para o renascimento. Ouvindo as batidas daquela música eu sorri a felicidade de logo estar com meu filho nos braços; e chorei o final de um processo que estava sendo tão especial para mim.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Já vai? Graças a Deus!



Um final de tarde desses, depois que eu e marido chegamos em casa, nossa querida babá vai se despedindo das crianças. Dá um beijinho no Pedro, fala tchau tchau Pedro! Ele sorri, acena a mãozinha e larga um táááá, que, obviamente, todos entendem como o mais perfeito tchau. E então ela vai se despedir da nossa primogênita. Tchau, tchau, Ísis! A L. já vai. Ao que a minha eterna pequena responde: Graças a Deus!

Cataploft!

Eu e marido não aguentamos e começamos a rir na hora, inclusive a babá, caiu na gargalhada. Remendamos com um: não é graças a Deus filha, é vai com Deus! Tá. Só que não. Nós não temos o hábito de dizer esta frase, então ela disse e quis dizer "graças a Deus". Porque isso sim eu falo muito, como uma expressão "Ah! Finalmente!", quando algo que eu desejo acontece.

Saudades dos pais? :)


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

micro REVOLUÇÃO

Muitos aspectos ocultos de nossa psique feminina são desvelados e ativados com a chegada dos filhos. Estes momentos são, habitualmente, de revelação e de experiências místicas se estivermos dispostas a vivê-los nesse sentido e se encontrarmos ajuda e apoio para enfrentá-los. Também são uma oportunidade de reformularmos as ideias preconcebidas, os preconceitos e autoritarismos encarnados em opiniões discutíveis sobre maternidade, a criação dos filhos, a educação, as formas de criar vínculos e a comunicação entre adultos e crianças. (Laura Gutman, A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra - Prefácio página 11)

Esse prefácio do livro da Laura Gutman é também o prefácio do início da história da minha própria maternidade.

Hoje, quase quatro anos após o nascimento de minha primogênita e quase um ano após a experiência feminina mais fantástica da minha vida até então, o nascimento do meu caçula em casa, eu começo a entender a teoria do Efeito Borboleta - como um simples bater de asas é capaz de impulsionar a formação de um furacão. 

Quando minha filha nasceu, passados os primeiros dias de deleite puro, eu passei a vivenciar dias de encontro comigo mesma, com o bebê que eu havia sido. Mais do que isso, eu passei a encontrar-me comigo mesma na minha infância, foi como viajar no tempo e rever diálogos, relacionamentos ou ausência deles, pensamentos, sensações. Quando eu olhava nos olhos da minha menina eu me via nela. Era uma simbiose completa e durante muito tempo eu vivenciei a experiência de estar tão ligada a ela e ela a mim que eu era capaz de adivinhar sentimentos, sensações, angústias e desejos da minha filha. E eu era capaz disso porque estava resgatando o bebê que eu mesma havia sido.

No começo, eu não sabia que este encontro com a filha amada e esperada seria um encontro com a minha essência. A partir dali eu seria outra, ou melhor, eu passaria a ser eu mesma na minha melhor versão - eu voltaria a ser aquela criança introspectiva, observadora e questionadora. Com a vantagem de já ser adulta e não precisar ter medo dos julgamentos dos meus pares sobre o meu comportamento.

Essa viagem chamada licença maternidade me desestruturou durante muitos meses e foi uma viagem solitária. Não há companhia quando o caminho a ser percorrido só permite a passagem de uma única pessoa: você mesma.

Nestes últimos quase quatro anos eu percorri incansavelmente toda a minha história pessoal. Eu refiz mentalmente muitos caminhos, eu senti novamente muitos sentimentos, fui a fundo em cada ponto que me maltratava para entender o motivo daquilo tudo.

No começo eu buscava culpados e dessa maneira eu só conseguia ficar ainda mais maltratada. Transferir a responsabilidade do que sentimos para outras pessoas é o início do fim. Nada pode germinar de bom quando eu deixo de olhar para mim mesma e passo a olhar apenas o outro.

Muito tempo depois eu passei a olhar para mim e foi aí que a transformação finalmente começou. Já não me importa mais o outro, importa a maneira como eu me relaciono com o mundo a minha volta. 

Até aqui eu me relacionei com o mundo por meio do AMPARO e da SEGURANÇA. Praticamente todas as decisões de vida que eu tomei até bem pouco tempo atrás foram buscando a sensação de estar segura e amparada. Com uma gravidez não planejada - e planejamento é vital para alguém que deseja amparo e segurança - foi que começou a minha micro revolução.

Já na gravidez tudo foi diferente do que eu havia imaginado. A gravidez não foi um momento ternurinha, foto de campanha publicitária de marca de cosmético para mãe e bebê. A minha primeira gravidez foi o princípio de tudo e, hoje, eu vejo que essa gravidez foi exatamente necessária para mim. Foi pesquisando sobre como sobreviver aos enjoos e mal estares do início da gestação que eu encontrei os blogs e sites sobre maternidade. Entre muitas postagens fofas, um deleite para quem estava ainda assimilando a ideia de ser mãe, eu encontrei informação de qualidade. E ativismo.

Quem busca amparo e segurança não pode simpatizar com ativismo assim, logo de primeira. Foi com muita desconfiança que eu comecei a ler ativistas da maternidade. Foi com muita desconfiança que eu comecei a ler sobre partos felizes e naturais, sobre mulheres que se inundavam de orgulho por parirem seus filhos longe da tecnocracia a que eu mesma me submeteria meses mais tarde. Foi com um misto de revolta e sensação de estar caindo sem amparo que eu lia informações sobre como o mundo da obstetrícia não existia para garantir a saúde da mãe e do bebê em primeiro lugar. Mas eu ainda estava no início da minha micro revolução, e, com amparo e segurança, não sem antes experimentar um pouquinho da ativista que eu me tornaria uma filha do lado de cá da barriga depois, lutei por trazer minha filha ao mundo através de um parto.

Parto normal. Hospitalar. Com intervenções e mutilações desnecessárias e perigosas para a minha saúde e da minha filha.

Houve trauma? Não para mim. É certo que houve para minha filha, mas ela nunca conseguirá me falar sobre ele. Não com palavras. Só com sensibilidade é possível assimilar a necessidade que ela tem de contato físico comigo, minha presença e do pai a todo instante, a necessidade de não ficar sozinha, nem por alguns minutos, em cômodo separado do nosso, o anseio por contenção e a verdadeira angústia que ela sente quando cai água corrente sobre sua cabeça com o que ela passou em suas primeiras horas de vida. Porque se eu consegui o parto normal que desejava na época, ela não conseguiu o nascimento acolhedor e respeitoso a que tinha direito.

Ao chegar em casa eu pedi para olhar as fotos que o marido havia tirado durante o trabalho de parto. Ao invés de ficar feliz com o que vi, eu chorei. Eu ainda não sabia, mas a pílula que iria me tirar do meu entorpecimento feliz já estava ali, sendo estendida pela minha própria filha. Eu jamais seria a mesma.


Eu ainda não sabia, mas há posições muito mais humanas e indolores para ficar durante o trabalho de parto...



Ela já sabia, mas num mundo onde passou a ser normal desempoderar o processo de nascimento teve que vir ao mundo sem respeito, acolhimento, amor, amparo e segurança...







Então sim: sou ativista por uma forma mais humana de nascimento.




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