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terça-feira, 26 de novembro de 2013

O meu machismo


Hoje pela manhã eu estava passando um creme hidratante no rosto (que é também anti rugas e filtro solar, porque os 35 anos estão ali virando a esquina) quando o Pedro me pediu para passar o "quême". Olhei para ele e coloquei um pouco do hidratante infantil que as crianças usam após o banho na sua mão. Ele passou no rosto, como eu, depois olhou para mim e disse "cheôso".

Ontem a Ísis estava brincando com suas presilhas de cabelo, suas piranhas e tic-tacs. O Pedro chega na sala com um tic tac na mão e pede "mamãe, qué butá titac a cabelo". No cabelo dele. Não no meu, nem do da irmã. Eu coloquei nos quatro fiapos que ele tem sobre a testa. Ele disse "olá a espêlo" e saiu em direção ao espelho que tem no nosso corredor, onde ficou alguns minutos admirando a própria imagem com o tic tac no cabelo.

Semana passada eu estava fazendo o almoço e os dois estavam num silêncio...eu estava prevendo alguma picaretagem daqueles dois, porque silêncio de criança é lambança na certa, quando eles aparecem na cozinha completamente maquiados! A Ísis já alcança nas minhas maquiagens e ela maquiou-se e ao irmão. Eu disse que estavam lindos, claro, mas pedi que ela não usasse as minhas maquiagens, que eram de adulto. Eu compraria uma de criança para eles. Para ELES, não para ela somente.

Quando eu me ouvi dizendo que compraria uma maquiagem para eles, assim, naturalmente, eu me dei conta que havia vencido uma etapa importante no meu machismo. Eu havia ultrapassado a linha imaginária que separa as brincadeiras em brincadeiras de meninos e de meninas. Eu havia vencido em mim mesma esse preconceito.

Porque a minha filha, ao ver o irmão com um tic-tac no cabelo, logo dizia que ele não poderia usar, pois não era coisa de menina. Juro que ela não ouviu isso aqui em casa, mas ela sempre diz algo assim quando o irmão quer brincar com as coisas dela. Eu sempre digo que não existe isso, de coisa de menina e de menino, que brincadeiras são para os dois, que ele está curioso e quer experimentar e tals. Que assim como ela gostava de jogar futebol e brincar com os carrinhos, ele também poderia querer brincar com as bonecas e os apetrechos de cabelo. No fundo eu me esforçava para agir assim, mas sentia uma ponta de desconforto com a cena. Eu precisava me livrar desse preconceito e amar, de fato, a liberdade que eu queria para mim e para meus filhos.

Houve um tempo em que o meu machismo exacerbado me dizia que homem não usa produtos cosméticos, não usa brinco, não se veste assim ou assado. Não usa cabelo comprido. Sério. Essa era eu, machistazinha do carai do alto dos meus vinte e poucos anos. Ainda bem que passou!

Ter um casal de filhos em casa me faz rever muitos conceitos na prática. Eu sempre tive o discurso de que a minha filha poderia fazer o que quisesse. Se ela quisesse jogar futebol, brincar de carrinho, cursar artes marciais, usar cabelo curto e se vestir como um menino, ela poderia. Sem problemas. Ela seria criada livre para poder escolher o que quisesse. Sem estereótipos.

Mas o meu discurso de liberdade logo teve que ser testado quando meu filho nasceu e alguns meses depois nos deparamos com diversas situações como as que descrevi acima. E eu resolvi deixar a hipocrisia de lado, vencer meu machismo enraizado e discursar igualmente em prol de liberdade para o meu filho: ele pode usar as presilhas da irmã, usar hidratantes, brincar de bonecas e panelinhas, usar maquiagem, fazer aulas de artesanato e balé. Sem estereótipos.

Tem sido difícil e ao mesmo tempo libertador. Tem gerado algumas discussões em casa sobre machismo, alguns ensinamentos para minha filha, que já vem trazendo o discurso "de menino", "de menina" da escola e da convivência com outras pessoas, com a família ou filhos de amigos e vizinhos.

De lá para cá eu aprendi que não posso exigir liberdade para eu ser quem eu quiser ser, usar o que eu quiser usar, ser dona do meu corpo, e ao mesmo tempo não conseguir usar esse discurso com meu filho.

Eu penso que o fato dele ter liberdade para fazer e experimentar as cores, as brincadeiras, as fantasias infantis, fará com que ele tenha mais respeito pelo universo feminino. Esse universo fará parte dele, será integrador de sua personalidade. Assim como usufruir das brincadeiras do irmão fará parte da personalidade da minha filha e ela poderá, realmente, se sentir em equidade com ele. Afinal, ambos vivenciarão brincadeiras e fantasias semelhantes.

Saber que você pode ser quem quiser sem se preocupar com o julgamento do outro é libertador. É um encontro íntimo consigo mesmo. Ao mesmo tempo, quando através das vivências, que são as brincadeiras da infância, conseguimos nos colocar no lugar do outro, experimentar, criar, isso nos fará adultos com maior empatia, maior capacidade de aceitar aquilo que difere de nós, até porque esse diferir será apenas uma questão de escolha e personalidade. Será aquilo que nos faz únicos no mundo.

Quando permitimos que as crianças vivenciem a infância sem esterótipos estamos permitindo que esse encontro consigo mesmo ocorra desde sempre, facilitando o processo de autoconhecimento, que é o grande propulsor das mudanças que queremos para nós, para eles e para o mundo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Des-desmamar

Parque Ramiro H., Blumenau-SC


Desmamar dá a ideia de que a criança é ser passivo no processo lento e gradual de abandono da via de alimentação materna para as vias alheias ao leite materno. Um processo que corre lento e gradual desde o momento em que o bebê coloca a primeira comida na boca.

Por aqui estamos nos aproximando dos 24 meses de amamentação. E o processo de desmame já está bem visível, bem paupável. Mas eu não tenho nada a ver com isso. O Pedro, penso, vai se autodesmamar. Vai cumprir o seu tempo - assim como o fez para nascer - ao seio e vai deixá-lo quando estiver pronto.

De minha parte fico mega feliz por estar ultrapassando em muito a marca da irmã mais velha, que não chegou nem aos 12 meses de amamentação, meta modesta que eu tinha lá nos idos de 2009. Durante alguma tempo eu acreditei que o demérito pela marca da Ísis era todo meu. Hoje eu sei que não é bem assim. O mérito de eu ter conservado a ilusão de que a amamentação dela foi no tempo dela, quando ela não quis mais, é dela, afinal, ela ainda não falava, já usava chupeta, tinha colo e mantinha para o aconchego e leite de vaca na mamadeira. Ela se adaptou muito rápido e isso fez com que eu vivesse na ilusão de que era o tempo dela. E a linha de pensamento sobre amamentação nos tempos da mamadeira que corre hoje também é merecedor de medalha na minha doce ilusão.

Hoje, liberta desse véu, eu sei que não foi. Mas não posso mudar o que já passou, só melhorar o que está por vir. Neste sentido, tive que trabalhar em mim a minha própria visão do aleitamento artificial dela. E vou te dizer: sou dependente da mamadeira dela. Tenho num processo muito enraizado na minha mente que só conseguirei desmamá-la da mamadeira quando desmamar o Pedro. Não faz sentido, eu sei, já que os dois tem 2a9m de diferença. O normal seria que ela desmamasse primeiro.

Mas eu já dei um passo. Mudamos o leite de vaca para leite vegetal, e como dá trabalho e é caro, ela agora só toma pela manhã. À noite é suco. Mas, na mamadeira. Tenho planos mais recentes de tentar desmamar da mamadeira - já não tanto do leite - ano que vem. Veremos. Preciso trabalhar melhor esta questão em mim.

Pode ser que o fato de eu ter amado amamentá-la, mas não ter tido forças, coragem, informação, empoderamento suficientes para bancar essa amamentação pelo tempo mínimo desejado na época - 1 ano - tenha feito com que eu me sinta muito mal por tirar dela aquilo que eu mesma lhe impus em detrimento do meu próprio peito: a mamadeira. Muito mais que o leite em si. A minha mente sacana pode estar me mandando a mensagem de que eu recusei o meu peito a ela quando ela ainda não tinha voz para dizer o que queria, então, agora que ela me diz que quer o tétinho, não posso simplesmente não dar. Difícil, né?

Claro que eu sei que a culpa não é minha somente. Eu sei e entendo todo o poder da indústria, do capitalismo selvagem, da mecanização da vida, do esquecimento de vivências de processos tão antigos e naturais como amamentar os próprios filhos. Eu sei. 

Nas minhas sessões de autoterapia - ou maternoterapia, hoho - eu estou melhorando, um dia de cada vez. Chegarei lá com ela, eu sei.

Voltando ao Pedro, bem, ele já iniciou seu processo de desmame, lá atrás, quando começou a ter curiosidade sobre os alimentos sólidos. Porque o desmame começa assim: quando a criança-bebê começa a se alimentar com outras fontes de alimento que não mais somente o leite materno.

O leite materno continua como fonte principal da alimentação por muitos meses ainda, depois passa a ser complementar - fase em que estamos agora - para somente depois, bem depois, deixar de ser necessário.

E quem diz quando não é mais necessário o aleitamento? A OMS diz que por 2 anos OU MAIS a criança poderá ser amamentada. Todos os dias são descobertos novos fatores nutricionais no leite que são excelentes para a criança mais velha - e que uma empresa já artificializou em lata! Então, se o leite continua ótimo mesmo muito depois dos 2 anos, ao contrário do que reza o senso comum, quando seria a época certa para desmamar a criança?

Para MIM a resposta foi óbvia: é a criança quem decide o momento em que está pronta para desmamar totalmente. É ela quem ultrapassa a linha da maturidade necessária, seja emocional, seja fisiológica,  para dar adeus, obrigada pela força aê, a gente se vê numa outra vida irmão, ao seio materno.

Eu passei a acreditar depois de muito ler e meditar que, obviamente para MIM, assim como é o bebê quem deve decidir o momento certo para o seu nascimento, é a criança quem decidirá o momento certo para o seu desaleitamento. É ela, pequeno serzinho criador de realidade, quem decide. Não sou eu nem ninguém, ainda que eu possa dar umas incentivadas aqui e ali, como no desfralde.

Hoje o Pedro quase não solicita o peito. Creio que em dias normais - entenda-se na rotina de casa e sem doenças paralelas - ele peça para mamar umas 2 vezes no dia. Eu ofereço o dobro disso, e ele recusa educadamente, ainda incorretamente do ponto de vista da língua portuguesa: "não, bigada". Sinal de que não há o famoso vício de peito, afinal quem é viciado em alguma coisa, não a recusa tantas e tantas vezes seguidas.

Eu seguirei oferecendo, mesmo sem ele pedir. Já pensei nisso também. Oferecer, ou não? Daí um dia eu me dei conta de que ofereço várias vezes várias coisas, mesmo que ele recuse. Água, por exemplo. Eu ofereço, ele recusa, mas sigo oferecendo porque sei que é importante para ele. E estabeleci um prazo para meu oferecimento: os dois anos. Ou mais.

De qualquer maneira, a certeza que eu tenho é que não importa muito o que eu vou fazer. A escolha sobre o desmame completo será do ator principal desta história de amamentação e que atende pelo nome e alcunha de Pedro, o Infante.

"Pedro, o Infante: nascendo e mamando a seu tempo."

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Escolha, consciente, vida, ativa.

 Crepúsculo, Praia do Forte, Floripa-SC


Eu já acompanhei muitos blogs desde 2009, quando a Ísis nasceu e eu entrei, sem querer, no blog da Mari, do Pequeno Guia. De lá para cá, é clichê e real dizer que muitas coisas mudaram. Em mim e na blogosfera materna.

A grande maioria dos blogs maternos da época em que eu comecei já não estão mais ativos. Ou estão fechados, ou estão em stand by.

A grande maioria das mães que eu acompanho (ava) desde 2009, já tem filhos da idade da Ísis, algumas tem filhos um pouco mais velhos, muitas tiveram um segundo filho. Raras tiveram mais de 2 filhos. E eu percebi nelas o que vem acontecendo em mim: os textos rareiam na proporção em que os filhos crescem.

Há muitas explicações para isso, eu tenho as minhas próprias justificativas para escrever bem menos por aqui. Não há um único motivo, mas hoje eu sinto na pele o que já era discutido nos posts das mães dos pequenos lá em 2009: a privacidade.

Eu descobri que uma coisa é você compartilhar textos fofos, que falam sobre o desenvolvimento dos filhos enquanto estes são bem pequenos. Por mais complexo que isso fosse para mim quando eu era mãe apenas da Ísis, nem se compara às questões de hoje em dia, quando tenho uma meninota de 4 anos e um menininho que já já faz 2 anos.

Falar abertamente sobre as noites em claro, sobre a chupeta, a mamadeira, a amamentação, o parto, a alimentação, as gracinhas, as escatologias, enfim, tudo que se refere ao dia a dia com bebês é muito mais fácil e leve do que falar abertamente sobre a maternidade depois dos 2 anos de vida dos filhos. Falar da maternidade com foco apenas na criança é muito mais leve que falar com foco na mãe, no pai, na vida profissional, na sociedade.

Quando os filhos são ainda bem pequenos e quase sempre seguem um rito meio linear de passagem dos meses rumo aos 2, 3 anos, é tudo muito similar na minha, na sua casa e na de tantos outros.

E depois...bem, e depois você descobre que existe um mundo lá fora que precisa urgentemente de pessoas mais generosas vivendo nele. Para falar apenas uma palavra. E pior...você descobre que as teorias todas, das melhores às piores, são só isso mesmo: teorias. Funcionam hoje e podem (e provavelmente não vão) funcionar amanhã. E finalmente, a junção de palavras como: escolha, consciente, maternidade, ativa, finalmente faz sentido. E você precisa atravessar a linha que separa a linda teoria da prática. Das duas uma: ou você se mantém no campo das teorias, que é ótimo e eu adoro porque não exige muito esforço; ou você atravessa a linha imaginária rumo à prática. É aí que o gigante adormecido (hoho) acorda em você.

Não é que haja uma teorização lá atrás e uma prática aqui na frente. Não. Mas o exato momento em que eu decidi bancar minhas escolhas fez com que uma avalanche de acontecimentos, sentimentos, vivências, eclodisse na minha vidinha pacata de mulher, mãe, esposa, profissional.

Não é fácil bancar escolhas. A gente sai do lugar comum, sai da zona de conforto e, sem querer, confronta muitas pessoas, muitas organizações sociais, relações de trabalho. Sem querer. Apenas porque agora a escolha é consciente, e nem sempre vai ao encontro - na maioria das vezes vai de encontro - ao que reza o senso comum.

E se aqui na blogosfera é fácil encontrar listas de famílias que se pautam pelos mesmos conceitos que eu trago comigo, na vida real é bem difícil. Ainda mais quando a forma como você vê o mundo vai de encontro ao mundo que você habita.

O que fazer então? Mudar de mundo?

Tudo isso para dizer que eu sumi por razões bem pessoais. Sumi pela necessidade de privacidade, já que, infelizmente, muito do que eu escrevo não atinge apenas positivamente as pessoas. Quando essas pessoas estão distantes, é uma coisa, mas quando elas estão ali do lado, bem, fica muito difícil escrever livremente.

O que me faz lembrar do hábito que algumas pessoas adquiriram de escrever um texto e colocar logo abaixo a interpretação do texto, no melhor estilo "aqui neste texto você leu que:"; "aqui neste texto não está escrito que:". Pode ser uma alternativa, mas ficaria muito cansativo e menos poético. Tenho uma leve tendência a poetizar boa parte dos meus textos.

O que me faz lembrar do motivo pelo qual eu desisti de jornalismo no vestibular de 1996 e encarei a nutrição: eu gosto de me sentir livre, não tolero subordinação e servilismo. Não me considero melhor do que ninguém. De verdade. Mas, importante lembrar, que também não me considero pior. Não toleraria ter que escrever sobre coisas que nada significam para mim, ou escrever sem alma. Ou escrever com medo.

"A minha alma tá armada e apontada para a cara do sossego, pois paz sem voz, não é paz, é medo".

Aqui também há rosa para meninas e azul para meninos. Mas isso não é uma regra.




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