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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Parirás com dor...

 Imagem: arquivo pessoal

Como eu já disse antes, o parto do Pedro consolidou um abrir de olhos para toda uma realidade sequer imaginada por mim. Quis a vida que fosse justamente o parto de um menino que me abrisse os olhos para tanta misoginia e machismo espalhada por este mundo afora. Misoginia e machismo introjetados em mim mesma e que foram passados e repassados por gerações de mulheres e homens desde tempos imemoriáveis.

Mas algo que me martela a cabeça é o quão machistas as reações à dor no parto podem ser! 

Eu já havia lido muitas coisas sobre a dor no parto, mas a ficha do machismo só caiu depois do nascimento do Pedro. Porque a dor esteve presente na segunda etapa do meu parto e durante algum tempo eu senti vergonha por tê-la sentido. Na verdade, eu tive pena de mim mesma, porque o meu parto não havia sido um parto zen, desses que são filmados e fotografados tão lindamente que parecem nem ser de verdade (mas são!).

No meu parto teve grito, teve medo, teve gemido. Teve suor, teve tensão. Teve xixi. No expulsivo apenas, mas teve. E durante alguns meses eu me peguei me culpando por isso, como se eu devesse ou pudesse ter feito alguma coisa para que aquela dor, aquela tensão, aquele medo não tivessem me dominado e quase estragado um dos momentos mais fantásticos da minha vida. Como se aquela dor fosse algo terrível e que deveria ser combatida e não algo que está ali para nos transformar. Como se aquela dor fosse castigo e não glória!

Fossem os homens o gênero que parisse os filhos, a dor do parto seria algo a que (quase) todos os homens gostariam de passar. Seria um marco, uma prova de força, de virilidade, de potência, amor, determinação. Vocês conseguem imaginar um homem se permitindo um corte na barriga por medo da dor do parto? Eu não. E explico.

Nas escrituras sagradas para as várias religiões o "parirás com dor" não viria como um castigo, mas seria algo como "parirás com dor para que tua descendência seja forjada para a força, a competência, a determinação, a transformação..." e por aí vai, nunca a dor masculina viria como castigo. Ela viria como glória!

Os homens incentivariam uns aos outros a terem seus filhos de parto normal. Não seriam taxados de loucos por escolherem trazer seus filhos ao mundo da maneira mais fisiológica - porque eles confiariam que seus corpos são perfeitos e foram feitos para isso, geneticamente aperfeiçoados durante séculos e séculos - e segura para eles e seus herdeiros.

Agendar cesariana? Seria crime! O trabalho de parto e parto seriam eventos dos mais importantes na vida de um homem e só seria socialmente aceito nascer por cirurgia devido a alguma intercorrência cientificamente comprovada como empecilho para o parto normal.

O pai cesariado ficaria contrariado por não conseguir um parto normal, mas saberia que ele e o filho eram mais importantes que a via de nascimento. Toda a família e amigos dariam apoio a esse, sempre no sentido de que numa próxima vez ele conseguirá parir! O mundo dá voltas, cada gestação é única. Que bom que existe uma cirurgia para momentos como esse!

Mas ao invés disso, as mulheres são vitimizadas em sua dor. Não há glória em parir com dor. Parir com dor é, isso sim, um castigo. Ninguém quer ser castigado, ainda mais sem saber muito bem o porquê. Não mereço esse castigo, então não quero a dor do parto. Prefiro a dor de uma cirurgia. Prefiro a não dor da anestesia.

Nós toleramos sentir dor em cirurgias estéticas, sabemos que faz parte do processo, toleramos a dor da depilação (sim, eu acho pior depilar que parir), a dor dos pés em sapatos finos e apertados, as dores nas pernas e na coluna devido ao mal uso de roupas e acessórios.

Mas não toleramos a dor do nascer, a dor da entrega, mesmo sem nunca tê-la sentido.

Se no começo eu sentia vergonha da minha dor, hoje eu sinto orgulho. Sim, eu pari meu filho com dor e a dor foi o menos significante e importante naquele nove de fevereiro. A minha dor não é digna de pena. A minha dor é motivo de aplauso.


6 comentários:

  1. Nossa, Nine, Pedro já vai fazer um ano?!!!

    Como voa, não?!

    Olha, concordo com você: se parto fosse um evento fisiológico masculino, eles iriam disputar em mesa de bar quem teve o TP mais longo ou dolorido. Seria um evento respeitado (porque já é festejado, né? apesar de todas as violências a que somos submetidas...).

    Tô adorando os posts nostalgia pré chegada de Pedro, viu?
    Grande beijo e bom carnaval!

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  2. Como passou rápido! Já, já 1 ano! Parece que foi ontem que li seus posts no qual dizia que estava somente na espera do nascimento do Pedro.
    Quanto a dor... acredito que faça parte. Um processo natural e incontrolável. Uma felicidade sem tamanho, no qual estravasamos mesmo!
    Um grande beijo e bom carnaval para vcs.

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  3. Eh isso sim, Depilar pra mim sempre doeu muito - aqueles que diziam - ah eh porque voce ocmecou a se depilar agora ne? Nao.. nao foi agora.. mais de 13 anos usando cera e todas as vezes doi da mesma maneira. E sim acho muito mais dolorido do que o parto - que tambem foi dolorido, amalucado de tanta dor, de ter saido de mim, de ter agarrado nos azulejos com a esperanca de que eles tivessem algum gancho que pudesse me segurar de toda aquela dor. Mas que eu soube que era necessario para que se vivesse. Adorei seu post.

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  4. Engraçado este post, Nine! Quando as pessoas ficam sabendo, por algum motivo, que o parto do João foi natural (ou, pelo menos, quase natural), só me perguntam sobre a dor. Como é a dor, com o que parece, quanta dor é ("parece cálculo renal ou tá mais para dor de dente?"). Acabei me dando conta que nunca dei muita bola para a dor. Doeu para caramba, mas foi o menos importante. Tanta coisa especial estava acontecendo ali! Como estava!!!! Eu conheci o meu filho, me apaixonei de novo pelo marido, me senti intimamente ligada a outras mulheres... Temos mesmo que mudar o foco!

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  5. Affe, que texto lindo... vou começar me desculpando, pq, por algum motivo, o seu blog saiu do meu blogroll (e não foi a mudança, não, pq ele estava lá!!!) e não vi algumas atualizações....
    Agora, este texto... que fantástico!!!

    Sabe que eu fui uma das que marcou cesárea por medo da dor, da absurda dor de parir e nem sequer concebia um parto normal, eu não queria entrar em trabalho de parto!!! Acredita??? Quanta ignorância (de "ignorar" mesmo)... Hoje em dia eu daria a minha mão direita por um parto meu, com direito a VBAC e alguma dor. Mas só alguma, não muita de morrer de dor. Acontece que só quem já passou por um, sabe o que é. Quem nunca teve, tem medo.

    Eu não agendaria cesárea novamente e não vejo a hora de ter um segundo filho para fazer diferente, para poder entrar em tp, para parir.

    O seu texto é lindo e motivador, parabéns!

    Um beijo grande!!

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