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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

micro REVOLUÇÃO

Muitos aspectos ocultos de nossa psique feminina são desvelados e ativados com a chegada dos filhos. Estes momentos são, habitualmente, de revelação e de experiências místicas se estivermos dispostas a vivê-los nesse sentido e se encontrarmos ajuda e apoio para enfrentá-los. Também são uma oportunidade de reformularmos as ideias preconcebidas, os preconceitos e autoritarismos encarnados em opiniões discutíveis sobre maternidade, a criação dos filhos, a educação, as formas de criar vínculos e a comunicação entre adultos e crianças. (Laura Gutman, A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra - Prefácio página 11)

Esse prefácio do livro da Laura Gutman é também o prefácio do início da história da minha própria maternidade.

Hoje, quase quatro anos após o nascimento de minha primogênita e quase um ano após a experiência feminina mais fantástica da minha vida até então, o nascimento do meu caçula em casa, eu começo a entender a teoria do Efeito Borboleta - como um simples bater de asas é capaz de impulsionar a formação de um furacão. 

Quando minha filha nasceu, passados os primeiros dias de deleite puro, eu passei a vivenciar dias de encontro comigo mesma, com o bebê que eu havia sido. Mais do que isso, eu passei a encontrar-me comigo mesma na minha infância, foi como viajar no tempo e rever diálogos, relacionamentos ou ausência deles, pensamentos, sensações. Quando eu olhava nos olhos da minha menina eu me via nela. Era uma simbiose completa e durante muito tempo eu vivenciei a experiência de estar tão ligada a ela e ela a mim que eu era capaz de adivinhar sentimentos, sensações, angústias e desejos da minha filha. E eu era capaz disso porque estava resgatando o bebê que eu mesma havia sido.

No começo, eu não sabia que este encontro com a filha amada e esperada seria um encontro com a minha essência. A partir dali eu seria outra, ou melhor, eu passaria a ser eu mesma na minha melhor versão - eu voltaria a ser aquela criança introspectiva, observadora e questionadora. Com a vantagem de já ser adulta e não precisar ter medo dos julgamentos dos meus pares sobre o meu comportamento.

Essa viagem chamada licença maternidade me desestruturou durante muitos meses e foi uma viagem solitária. Não há companhia quando o caminho a ser percorrido só permite a passagem de uma única pessoa: você mesma.

Nestes últimos quase quatro anos eu percorri incansavelmente toda a minha história pessoal. Eu refiz mentalmente muitos caminhos, eu senti novamente muitos sentimentos, fui a fundo em cada ponto que me maltratava para entender o motivo daquilo tudo.

No começo eu buscava culpados e dessa maneira eu só conseguia ficar ainda mais maltratada. Transferir a responsabilidade do que sentimos para outras pessoas é o início do fim. Nada pode germinar de bom quando eu deixo de olhar para mim mesma e passo a olhar apenas o outro.

Muito tempo depois eu passei a olhar para mim e foi aí que a transformação finalmente começou. Já não me importa mais o outro, importa a maneira como eu me relaciono com o mundo a minha volta. 

Até aqui eu me relacionei com o mundo por meio do AMPARO e da SEGURANÇA. Praticamente todas as decisões de vida que eu tomei até bem pouco tempo atrás foram buscando a sensação de estar segura e amparada. Com uma gravidez não planejada - e planejamento é vital para alguém que deseja amparo e segurança - foi que começou a minha micro revolução.

Já na gravidez tudo foi diferente do que eu havia imaginado. A gravidez não foi um momento ternurinha, foto de campanha publicitária de marca de cosmético para mãe e bebê. A minha primeira gravidez foi o princípio de tudo e, hoje, eu vejo que essa gravidez foi exatamente necessária para mim. Foi pesquisando sobre como sobreviver aos enjoos e mal estares do início da gestação que eu encontrei os blogs e sites sobre maternidade. Entre muitas postagens fofas, um deleite para quem estava ainda assimilando a ideia de ser mãe, eu encontrei informação de qualidade. E ativismo.

Quem busca amparo e segurança não pode simpatizar com ativismo assim, logo de primeira. Foi com muita desconfiança que eu comecei a ler ativistas da maternidade. Foi com muita desconfiança que eu comecei a ler sobre partos felizes e naturais, sobre mulheres que se inundavam de orgulho por parirem seus filhos longe da tecnocracia a que eu mesma me submeteria meses mais tarde. Foi com um misto de revolta e sensação de estar caindo sem amparo que eu lia informações sobre como o mundo da obstetrícia não existia para garantir a saúde da mãe e do bebê em primeiro lugar. Mas eu ainda estava no início da minha micro revolução, e, com amparo e segurança, não sem antes experimentar um pouquinho da ativista que eu me tornaria uma filha do lado de cá da barriga depois, lutei por trazer minha filha ao mundo através de um parto.

Parto normal. Hospitalar. Com intervenções e mutilações desnecessárias e perigosas para a minha saúde e da minha filha.

Houve trauma? Não para mim. É certo que houve para minha filha, mas ela nunca conseguirá me falar sobre ele. Não com palavras. Só com sensibilidade é possível assimilar a necessidade que ela tem de contato físico comigo, minha presença e do pai a todo instante, a necessidade de não ficar sozinha, nem por alguns minutos, em cômodo separado do nosso, o anseio por contenção e a verdadeira angústia que ela sente quando cai água corrente sobre sua cabeça com o que ela passou em suas primeiras horas de vida. Porque se eu consegui o parto normal que desejava na época, ela não conseguiu o nascimento acolhedor e respeitoso a que tinha direito.

Ao chegar em casa eu pedi para olhar as fotos que o marido havia tirado durante o trabalho de parto. Ao invés de ficar feliz com o que vi, eu chorei. Eu ainda não sabia, mas a pílula que iria me tirar do meu entorpecimento feliz já estava ali, sendo estendida pela minha própria filha. Eu jamais seria a mesma.


Eu ainda não sabia, mas há posições muito mais humanas e indolores para ficar durante o trabalho de parto...



Ela já sabia, mas num mundo onde passou a ser normal desempoderar o processo de nascimento teve que vir ao mundo sem respeito, acolhimento, amor, amparo e segurança...







Então sim: sou ativista por uma forma mais humana de nascimento.




3 comentários:

  1. LIndo post, Nine..a gente muda mt com a maternidade,sem duvidas..e talvez a maior mudança seja pela vontade de se ter um mundo mais justo,mais verdadeiro,melhor..seja para nossos filhos,para a gente que é mãe,ou pra todo mundo.. ser mãe é uma dádiva,uma transformação..por isso que sempre digo uma frase que já é clichê publicitário,mas para mim é apura verdade: "sempre que nasce um filho,nasce tb uma mãe"..aliás,eu vou além: nasce uma nova mulher,que vai se (re)descobrindo todo dia..bjs e otima semana pra vcs todos!! :)

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  2. Nine, querida. Quase chorando ao ver as fotos da Isis. Falo isso porque sei que sente o mesmo.

    Mas olha, se serve de alento, Arthur nasceu num parto super humanizado, em casa, na água e:

    - Também manteve um necessidade da minha presença e atenção intenivos;
    - Odeia ficar sozinha, quer sempre eu ou o pai por perto;
    - Água na cabeça é um problemão para ele.

    Então, querida, talvez o trauma exista, mas os sinais que vemos, podem ser aqueles que procuramos, entende?

    Certamente Isis não foi recebida da forma mais acolhedora que todo bebê merece ser, mas os traumas, esses talvez sejam diferentes do que possamos entender racionalmente. E com certeza são minimizados por toda uma vida de amor, apego, carinho, acolhimento que ela tem e terá.

    Nascer é o primeiro passo, é importante, mas jamais de ser "apenas" o primeiro de toda uma jornada.

    Beijos!

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  3. Nine,

    Você citou uma parte que diz que o "sistema" desmoraliza, desempodera a mãe para que eles tenham poder de fazer tudo o que querem e o que bem entende.
    Aconteceu exatamente isso comigo!
    Lembro de uma consulta de pre natal que foi na maternidade, na recepção passava na tv, um vídeo de um parto filmado ali mesmo na maternidade (não preciso nem dizer que foi uma cesária né?!).
    Enfim, a mãe no vídeo tinha um olhar triste, distante. Mas o que realmente me chocou foi logo depois do nascimento o bebê foi levado para o berçário, feito todos os exames, depois levaram o bebê pra mãe dar uma "olhadinha" ela coitada, ali toda amarrada, com 7 camadas da barriga aberta, da um sorriso amarelo, e o RN volta pra fazer a "higiene" com uma enfermeira, que manipula o bebê como se fosse um frango, juro!

    Eu comentei com minha mãe, ela logo me disse... Imagine que em um hospital iriam maltratar um bebê!
    Isso é bobagem de mulher gravida!

    E eu aceitei, afinal quem era eu perto de médicos, enfermeiros, um hospital?

    Por causa do colírio o Eduardo teve uma conjuntivite química, que só muito tempo depois fui descobrir como e por que.

    Eu não consigo nem colocar em palavras a revolta que sinto.

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