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segunda-feira, 17 de março de 2014

O Grito e o Grilo

Eu estava com pressa para sairmos, não lembro bem o motivo, se é que havia algum. O mais provável era que era apenas aquela pressa típica dos adultos, idêntica ao do coelho branco do País das Maravilhas. Estamos sempre atrasados!

Minha filha resolveu abrir e fechar uma porta sanfonada que temos entre a sala e o corredor dos quartos. A porta é de madeira com vidro, bem pesada. Eu pedi que ela parasse, pois poderia trancar o dedo dela ou o do irmão, que já estava ali rondando a irmã.

Óbvio que ela não fez o que eu pedi. Continuou a mexer na porta como se o assunto não fosse com ela. Eu pedi que ela parasse. O irmão começou a reclamar, pois agora ele me remenda: se eu chamo a atenção da irmã ele vem na cola reclamando com ela também! Com isso instalou-se o caos, porque ela não aceitou as reclamadas do irmão. Brigou com ele. Ele bateu nela.

E eu?

Eu surtei assim:

CHEGAAAA! ÍSIS EU JÁ NÃO PEDI UM MILHÃO DE VEZES PRÁ VOCÊ PARAR DE MEXER NESSA PORTA? MAS QUE DROGA, MINHA FILHA! VAI JÁ SE SENTAR NO SOFÁ E FICA QUIETA ATÉ A GENTE SAIR!

Quando ela tentou revidar a bronca eu dei mais um grito: SENTAAAA! AGORA!

O caçula sentou no sofá rapidinho, o esperto. Ela foi sentar com os olhos cheios de água. Foi um susto me ouvir gritar daquele jeito. Felizmente, isso é raro, mas acontece ainda.

Claro que eu me odiei no exato segundo em que parei de gritar. Mas aí, as palavras já haviam sido urradas. Lembrei mais uma vez da Ana Thomaz: sentir, não antagonizar de volta, deixar fluir o sentimento. Mas não consegui, não.

Saí de cena por uns cinco minutos (ué, eu não estava atrasada até bem pouco tempo atrás?) e comecei a conversar comigo mesma.

"Ok. Chutei o pau da barraca. Ferrou. Deixa eu me acalmar. Mas que droga, porque ela não pode fazer o que eu peço só uma vez na vida? Não, tinha que mexer na porta sem parar! Mas como está desobediente, pelamor! Até parece que eu não educo! E o outro? Agora deu para remendar o que eu digo, o danado! E bate, ainda por cima!

Tá, calma. Eu errei. Sou a adulta aqui. Eu não precisava ter gritado. Eu poderia ter falado com firmeza, mas sem gritar daquele jeito. Que droga! Odeio gritar! Me sinto horrível e ridícula! Mas agora já foi."

E então, depois disso, eu saí do banheiro onde fui me esconder depois do ataque e pensei em sairmos como se nada houvesse acontecido. Talvez fazer uma cara de brava, para que eles entendessem que haviam me chateado. Sim, é isso, sou a mãe, eles tem que me obedecer, me respeitar, fazer o que eu mando!

Só que...eu tenho um grilo falante sobre os meus ombros. Já contei? Não? Pois é. Pelo jeito, depois de ter emendado o tal do Pinóquio, ele resolveu emendar a mim. Ai, ele me cansa! No mesmo instante em que eu pensei em sair de fininho pela porta fazendo ares de ofendida, sem nem dirigir o olhar àqueles pequenos meliantes mirins que atendem pela alcunha de meus filhos, o grilo, o chato do grilo começou a falar no meu ouvido assim:

"Mas em? Não é você que vive dizendo aos seus filhos que não se deve gritar com as pessoas? Que não se deve falar desse jeito com os outros, porque é desrrespeitoso? E não é você que vive dizendo a eles que devem pedir desculpas quando machucam alguém? Não é você que vive repetindo que a educação se faz pelo exemplo? Belo exemplo, em? Gritar daquele jeito com duas crianças e nem pedir desculpas? Qual é a frase que você mais odeia mesmo? Faça o que eu digo, não faça o que eu faço?"

Eita grilo chato!

Respirei fundo mais uma vez e desci do auto do meu autoritarismo. Ajoelhei na frente dos dois. Olhei dentro daqueles olhos que eu amo tanto, e que estavam tão assustados comigo!

Eita grilo!

"Ísis, Pedro, a mamãe gostaria de pedir desculpas por ter gritado com vocês antes. A mamãe não acha certo ficar gritando e não gosta de gritar com vocês. É que eu estava com pressa e vocês estavam mexendo naquela porta, que pode machucar, enfim, perdi a paciência. A mamãe não gosta de gritar, muito menos com vocês. Vocês me desculpam?"

Sim, eles me desculparam. E a Ísis pediu desculpas por ter mexido na porta. E o Pedro pediu desculpas por ter batido na irmã.

Eita grilo bão!


Eles são aqueles que jurei amar e respeitar, proteger e orientar. Com exemplos. Não com blá blá blá.





6 comentários:

  1. Faço tanto isso... o gritar.. e o refletir e o (quase sempre) pedir desculpas...
    Tão ruim.. tão incomodo...
    Ultimamente então... ainda mais sem paciência pq a vida insiste em nos cansar... como tenho gritado :(
    Essa semana marido disse a Laís que não era mais seu amigo pq ela o tinha desobedecido... como ela chorou.. magoada e como medo de não ser amiga do pai... aquilo me cortou o coração.. e estamos desde então refletindo mais em tudo que vamos fazer, falar e repreender..
    Acho que aprendemos todos os dias...
    E que bom que existem grilos para nos fazer pensar e repensar!!!!

    (vou te mandar e'mail com uma novidade! rs)

    Bjnhos em vcs!!!

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    1. Recebi o email com a novidade!
      Fácil não é, mas ainda bem que os grilos são incansáveis, os danados! Beijos no quarteto!

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  2. Falou e disse! to com você! parabéns pela consciencia, e por pedir desculpas, errar é normal. se desculpar é que as pessoas esquecem! parabéns! serão lindos seres humanos conscientes seus filhos!

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    1. Obrigada, Renata! Um passo depois do outro, como quando aprendemos a andar...tem sido assim para desaprender a gritar! Beijos!

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  3. Já falei que seus textos me fazem primeiro suspirar e depois refletir né ? pois é se existe algo que tenho feito se moderação ultimamente é refletir e poço dizer que estar perto de vidas tão reais e meio a tanto bla bla bla que vemos na rede é muito gratificante !

    Aqui tb um agradecimento ao "grilo" que nasce junto com as mães.

    bju

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    1. O que seria de nossas vidas sem esses grilos a nos incomodar, né Si? Muitos beijos em vcs!

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