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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Sobre meninos e meninas


Será que somos definidos pelo que carregamos entre as pernas?

Faz algum tempo, eu estava com o Pedro no colo, ainda pequetito, depois de amamentá-lo, olhando seu rosto angelical, sentindo sua pele aquecida e macia, admirando o brilho nos olhos e o sorriso quase banguela. Ele era praticamente igual à irmã na mesma fase.

Os dois, desde que nasceram, são tão parecidos e tão diferentes ao mesmo tempo! Eu costumo dizer que as diferenças entre eles, genuínas, são as biológicas e as de comportamento não vinculadas a questões de gênero, estas últimas socialmente construídas e reforçadas geração após geração.

Meus dois filhos queriam estar no colo todo o tempo. Meus dois filhos mamavam todo o tempo, um mamava mais forte e mais rápido, outro mais demoradamente. Meus dois filhos acordavam de madrugada e dormiam melhor quando dormiam comigo, na mesma cama. Um deles já dorme dez horas seguidas, o outro ainda acorda no meio da noite. Meus dois filhos são muito curiosos, gostam de fuçar em tudo, abrir gavetas, espalhar coisas pela casa, escalar cadeiras, mesas e sofás. Um deles é mais facilmente tirado de uma atividade não conveniente ou perigosa, o outro protesta veementemente. Meus dois filhos gritam. Meus dois filhos choram, mas de um as lágrimas escorrem aos borbotões desde que nasceu. Meus dois filhos sorriem. Muito. Meus dois filhos querem colo. Muito.

Naquela tarde, lá atrás, com o Pedro no colo, eu não pude deixar de divagar naqueles minutos pós amamentação, que a construção de uma sociedade mais justa, mais igualitária, menos machista, menos misógina, mais libertária, menos escolarizada, mais natural, mais consciente, menos consumista, menos egoísta, menos prepotente, começa, invarialvelmente, em casa. Na minha. Na sua.

Um homem já foi um bebê, já foi carregado no colo e já teve exatamente as mesmas necessidades que uma mulher na mesma fase. Bebês, quando vestidos de forma neutra, são facilmente confundidos em seus gêneros. A experiência de ter uma menina e um menino em casa só me mostra, cada vez mais, que os meninos não nascem amando carrinho, futebol, brincadeiras de luta. Os meninos, só pelo fato de serem meninos, não são mais ágeis, mais articulados, mais exploradores, menos dados aos afagos e carinhos, mais fortes, menos emotivos. Eles podem ser tudo isso, mas não o são apenas pelo fato de serem meninos.

As meninas, por sua vez, também não nascem amando bebês, panelinhas, bonecas barbie, maquiagem, rosa, roupas. Não são mais dadas a afagos e carinhos, não são mais emotivas, menos ágeis, mais cuidadosas, mais calmas. Elas podem ser tudo isso, mas não o são apenas pelo fato de serem meninas.

Meu filho tem hoje um ano e três meses. O tempo vai passando e eu vou percebendo que ele é uma pessoa com muitas características do mundo dito masculino e outras tantas ditas do mundo feminino. Isso me faz crer ainda mais que características comportamentais são inerentes à pessoa e não ao sexo dela. Se as crianças forem deixadas livres de nossos preconceitos enraizados em décadas de uma educação altamente escolarizada na padronização de indivíduos, na divisão de gêneros, na disciplina massificante, no pensar amplamente conduzido a ideia de se ajustar à sociedade, mesmo que para isso haja a necessidade de se anular enquanto indivíduo, essas crianças, já adultas, transformarão o mundo. Para melhor.

Mas não é assim que é. Ainda não. Ainda não todo o tempo. Todos os dias nós, e o mundo a nossa volta, reforçamos comportamentos encaixados em listas de padronização de personagens. O menino recém nascido nem senta ainda, mas já é estimulado a gostar de futebol, a usar camisetas do time preferido, ganha dúzias de carrinhos e brinquedos de encaixe e lógica. Maiorzinho, ao iniciar as primeiras explorações, não faltam elogios a sua capacidade de locomoção, a sua aventuras sobre móveis, embaixo de mesas e arrastando tudo e qualquer coisa pela casa. Se o menino anda, corre, grita, sobe em árvore, explora regiões antes não conhecidas, tudo certo, ele só está sendo menino. Está entrando no padrão, no conceito idealizado e esperado por todos nós. Ele vai seguir o caminho certo, seguro.

Mas pobre do menino que age de maneira não adequada, que demonstra curiosidade sobre objetos, cores e utensílios que não deveriam pertencer ao seu mundo idealizado. O que ele recebe são reprimendas, olhares enviesados, conceitos machistas. E os meninos aprendem bem e rápido que, para serem aprovados, precisam entrar no esquema, no padrão. De uma hora para outra, deixam de lado o campo da espontaneidade, dos sentimentos, das experimentações e se adequam ao mundo preto e branco (e azul) e másculo onde irão habitar.

Se isso acontece com meninos, não é diferente com meninas. E essa fase eu vivo intensamente hoje. Minha menina está cheia desses conceitos na sua cabecinha de quatro anos. Ela me pede esmalte, maquiagem, batom. Diz que só gosta de rosa (mas sua roupa preferida é amarela) e constantemente busca reforçar o que ela, enquanto menina, pode fazer. Diz não gostar de determinada peça de roupa porque não é rosa e meninas usam (do verbo tem que usar) rosa. E se preocupa não apenas com ela, mas com o irmão. O irmão pode fazer o que ela faz? E eu respondo que eles podem tudo que quiserem, mesmo sabendo que isso não é verdade. Mesmo sabendo que ser livre e desescolarizado - e ser assim não envolve estar fora da escola, tenho entendido isso cada vez mais - exige um preço alto que eles, enquanto crianças, não podem pagar.


6 comentários:

  1. um dos melhores posts que li sobre isso até agora. concordo com tudo isso. tenho um menino que ama brincar de comidinha, que faz mamadeira para os brinquedos, que, numa loja de brinquedos educativos, brinca tanto com a cozinha quanto com a mesa de ferramentas. meu filho tem boneca. meu filho é como todas as crianças são em essência e como todos os adultos deveriam ser: equilibrado. todos temos características "femininas" e "masculinas" em nós. não fosse o machismo da sociedade, seríamos mais "femininos" ou mais "masculinos" na medida das nossas inclinações, dos nossos interesses, não em função do nosso gênero e até apesar dele.precisamos de mais mães atentas a isso, como você, para um dia, quem sabe, podermos dizer que há igualdade de fato de gêneros. e isso só acontecerá quando tanto fizer ser menino ou menina...
    bjos

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  2. um dos melhores posts que li sobre isso até agora. concordo com tudo isso. tenho um menino que ama brincar de comidinha, que faz mamadeira para os brinquedos, que, numa loja de brinquedos educativos, brinca tanto com a cozinha quanto com a mesa de ferramentas. meu filho tem boneca. meu filho é como todas as crianças são em essência e como todos os adultos deveriam ser: equilibrado. todos temos características "femininas" e "masculinas" em nós. não fosse o machismo da sociedade, seríamos mais "femininos" ou mais "masculinos" na medida das nossas inclinações, dos nossos interesses, não em função do nosso gênero e até apesar dele.precisamos de mais mães atentas a isso, como você, para um dia, quem sabe, podermos dizer que há igualdade de fato de gêneros. e isso só acontecerá quando tanto fizer ser menino ou menina...
    bjos

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  3. um dos melhores posts que li sobre isso até agora. concordo com tudo isso. tenho um menino que ama brincar de comidinha, que faz mamadeira para os brinquedos, que, numa loja de brinquedos educativos, brinca tanto com a cozinha quanto com a mesa de ferramentas. meu filho tem boneca. meu filho é como todas as crianças são em essência e como todos os adultos deveriam ser: equilibrado. todos temos características "femininas" e "masculinas" em nós. não fosse o machismo da sociedade, seríamos mais "femininos" ou mais "masculinos" na medida das nossas inclinações, dos nossos interesses, não em função do nosso gênero e até apesar dele.precisamos de mais mães atentas a isso, como você, para um dia, quem sabe, podermos dizer que há igualdade de fato de gêneros. e isso só acontecerá quando tanto fizer ser menino ou menina...
    bjos

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  4. Nine,

    obrigada pela visita lá no blogue. Respondi você por lá.

    bjos

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  5. Eu tenho um menino de 10 meses. E no dia que eu pus uma camiseta rosa nele, eu já esperava esse tipo de reação, todas as pessoas do shoppimg que se referiram à ele o chamaram de "ela" ou "A bebê". Estranho, ne? Como diz a minha irmã: Cores não tem sexo!!!
    Dá uma olhadinha aqui que eu escrevi sobre isso:

    http://www.umnovotempo.net.br/index.php?option=com_content&view=article&id=76%3Acor-derosa-e-pra-menina&catid=1%3Ablog&Itemid=1

    Ah, e adorei o blog, viu? Posso te linkar?

    Beijinhos,
    Carol
    www.umnovotempo.net.br

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  6. Ah Nine, não poderia concordar mais com vc. Tenho um casal também, e me preocupo demais com esses estereótipos que começam a ser impostos tão cedo na vida das crianças. E me parece que a vida dos meninos é ainda mais difícil desde cedo, canso de ouvir pais e mães de meninos dizendo que "isso é de menina" - seja para um carrinho rosa ou uma miniatura de cozinha. Reflito muito sobre isso, em como será com o meu menino - que ainda é um bebê - pois por mais "liberal" que eu seja, ainda carrego muitos preconceitos. Escrevi sobre isso há algum tempo também... não me importaria de deixar minha filha se vestir de homem aranha e sair na rua, mas conseguiria ter a mesma naturalidade de deixar meu filho se vestir de branca de neve? Honestamente, não sei, embora tenha absoluta convicção que hetero ou homossexualidade não são influências, e sim uma característica inata.
    Enfim, tento fazer a minha parte pois, como vc, acredito que as mudanças na sociedade começam em casa, na minha casa. Por mais que as influências à nossa volta sejam fortes...

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