Páginas

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A ilusão da escolha


Nestes dias de segunda gravidez eu passei a divagar mais sobre algumas questões relacionadas com a maternidade e que já haviam ficado lá atrás na memória. Uma delas é o parto, claro, mas não é sobre ele que eu vou escrever hoje. O assunto é igualmente polêmico, gera discussões e mais discussões na via real e na virtual, mas não tenho o objetivo de gerar polêmica, apenas falar sobre um tema que é constantemente revisitado por mim, como mãe, como mulher, como mamífera.

Não me considero uma militante de nada, mas me sinto na obrigação de conversar com pessoas conhecidas sobre o assunto, pois penso, logo existo, e minha opinião sobre a amamentação, assim como minha visão sobre vários aspectos da vida, vem sofrendo alterações desde que passei a atender pela alcunha de mãe da Ísis.

A amamentação nunca foi um assunto que estivesse em pauta na minha vida, diferente do parto, que volta e meia permeava meus pensamentos. Creio mesmo que há mais de dez anos atrás eu fosse favorável ao aleitamento com fórmula.

Eu me formei em nutrição e me lembro muito bem que, apesar de havermos estudado a composição do leite materno, e comprovado já nos idos de 1998 que o mesmo era o melhor para o bebê, passamos muito mais tempo aprendendo a desenvolver "fórmulas" artificiais na disciplina de Nutrição Materno e Infantil (uma das minhas preferidas na época da faculdade): desde leite de arroz, de farinha, diluição correta do leite de vaca integral, fórmulas. Sobre a amamentação em si, aquela natural, ao seio da mãe, nada, ou quase nada. Um contrasenso, eu creio, mas em se tratando de políticas públicas sobre o assunto, é possível compreender os motivos para tal fato, apesar de hoje não concordar com eles.

Lembro-me que nessa disciplina fizemos uma espécie de debate sobre o LM x LA, que funcionou assim: uma equipe de futuras nutris defenderiam o aleitamento natural, outra equipe defenderia o aleitamento artificial, com fórmulas, e uma terceira, da qual eu fazia parte, julgaria qual das duas ganharia. Incrivelmente (até para mim, na época) a equipe do LA ganhou a disputa do debate, contra todas as informações trazidas pelas colegas do aleitamento materno. O LA tinha muito mais informações, muito mais marketing envolvido, muito mais recursos de convencimento, ao contrário do LM, o coitado, tão desprovido de certezas médicas, apostilas lindas, brindes diversos e marcas importantes que o respaldassem.

Apesar de achar estranho eu mesma haver me convencido de que o LA merecia ganhar a disputa, não dei bola para o assunto e só fui voltar a pensar nele dois anos mais tarde, quando uma colega fez um estágio na maternidade do Hospital Universitário e passou a me contar como era o preparo da "mãezinha" para obter sucesso no aleitamento. A minha reação foi achar tudo um horror! Como assim dores, choros de fome, mastite, fissuras, sangramentos? Melhor dar a mamadeira logo! E ainda havia o transtorno de "expor" os seios sempre que o bebê tivesse vontade (já se falava em livre demanda). Nã-não!

O tempo passou e fui titia antes de ser mãe, acompanhando as dores da minha irmã nos primeiros dias de amamentação. "Como ela aguenta? E esse bebê que não para de chorar? Coitada, dar o seio fissurado a cada hora! Por que não dá logo uma mamadeira, pelo menos até recuperar o seio?" Mas ela era mãe, eu era tia, e existe um abismo entre as expectativas e motivações de ambas. Eu pensava somente no bem estar dela, minha irmã querida, e ela pensava apenas no bem estar dele, seu filho bem amado. E isso sempre faz toda a diferença.

Quando engravidei pouco pesquisei sobre a amamentação, apenas que seria o melhor para o bebê e para a mãe, como nutricionista sabia que seria a composição ideal de alimentação para minha filha, que seria importante colocar o bebê para mamar logo após o nascimento. Ouvi falar de livre demanda, não teci maiores conclusões sobre o assunto e comprei várias mamadeiras.

E a Ísis nasceu, linda e sedenta por um seio, veio logo mamar e agarrou o bico, erroneamente, ficando nessa pega equivocada por horas na primeira noite. O resultado foram seios fissurados logo no primeiro dia, uma dor lancinante a cada tentativa de amamentar, a percepção tardia de que havia me informado pouco e o vislumbre de que poderia fracassar e ceder às lindas mamadeiras que compuseram o enxoval da minha filha.

Por sorte, minha irmã passou uma noite comigo, conversamos um pouco e ela me disse para persistir, que passaria e que amamentar havia sido maravilhoso para ela e para meu sobrinho, para ter fé e passar uma pomadinha para auxiliar na cicatrização.

Foi o que eu fiz, eu persisti por 15 dias naquelas sessões quase que horárias de tortura. A cada abocanhada da Ísis parecia que minhas entranhas reviravam de dor, eu tinha vontade de gritar, de desistir, mas...ao ver a carinha dela mamando, ao senti-la no meu peito, naqueles dez minutos mais que maravilhosos, eu ganhava forças para continuar.

O primeiro mês ainda foi mais complicado, pois passei um pouco mal com a apojadura, tinha dores quando a Ísis dormia e passava do horário de mamar, vazava leite por tudo, eu fiquei muito cansada porque ela mamava muito e quando não estava com fome tinha uma necessidade muito grande de sugar. Vivia pendurada no peito (e eu nem conhecia o sling!).

Depois disso, com as dores indo embora, com o controle da produção que evitava maiores desconfortos e vazamentos constantes, veio a sensação de estar "presa". Eu não podia me ausentar por mais de 1 hora e isso significou muito para mim, porque eu sempre prezei muito a minha liberdade de ir e vir. De uma hora para outra eu estava atada à minha pequena sugadora e entre o prazer e a agonia, a necessidade de estar ligada ao meu bebê, alimentando-o com o melhor alimento que ele poderia ter, e a necessidade de ser eu mesma, eu sofri um bocado.

Ainda havia tabus a serem quebrados: eu sempre tive muita vergonha de amamentar em público, na frente de estranhos. Uma bobagem, eu penso hoje, mas que na época fez uma diferença enorme porque eu mal saía de casa com a Ísis para evitar essa situação. Quanto arrependimento! Eu me lembro de entrar em pânico sempre que precisava sair de casa com ela só por antever o choro e a necessidade de dar de mamar!

Depois dos seis meses de exclusividade e com a introdução dos suquinhos e alimentos eu desencanei um pouco, eu conheci a blogosfera no finalzinho e após muito ler eu me vi como uma boba, que havia sido manipulada pela sociedade e por interesses contrários ao meu bem estar e da minha filha.

Eu muito filosofei comigo mesma sobre isso e eu me dei conta de que não havia apoio algum à amamentação no meu círculo de convivência, que todos achavam legal amamentar nos primeiros seis meses, mas poucos mantinham essa opinião quando a criança já estava mais velha.

E ainda houve o retorno ao trabalho, a ida da Ísis para escolinha em turno integral, enfim...nos desmamamos. Não sei se teria sido assim caso eu tivesse mais informação e mais coragem de bancar minhas decisões naquela época. Foi o que foi, eu não me culpo, mas se pudesse faria diferente.

Semana passada no blog da Lola eu li um texto sobre amamentação (incrível como uma mulher que não é mãe e não pretende ser consegue ser tão lúcida sobre esse assunto!), onde ela linkava um artigo que trazia o histórico da amamentação no Brasil. Lendo o artigo eu reforcei minhas idéias de que nós mulheres fomos e somos muitas vezes manipuladas por interesses frequentemente contrários aos nossos, interesses econômicos, religiosos, sexuais. E o pior é que temos a nítida ilusão de que escolhemos livremente, de que tomamos decisões conscientes e baseadas unicamente em nossas convicções. Ledo engano.

Difícil saber o que realmente queremos quando há uma legião muito bem equipada nos ditando regras de conduta a todo instante.

Agora terei a chance de viver a amamentação de maneira ainda mais plena, mais consciente, mais livre, mais leve e, espero, por mais tempo.

Deixo o link do artigo para leitura.



15 comentários:

  1. sonho muito amamentando meu bebê, deve ser a coisa mais próxima de uma mãe com seu filho, mesmo na barriga, não é tão intimo, acho..

    ResponderExcluir
  2. isso mesmo, mesmo sem nome o segundinho ja esta se beneficiando da experiencia da mamae. Bjks mil

    ResponderExcluir
  3. Eu me sinto contemplada por esta postagem. Reitero-a de todo o desejo de meu coração de que cada dia mais mães estejam conscientes para fazer escolhas próprias. Muitíssimo excelente o tema. Beijos!

    ResponderExcluir
  4. Nine, que belo post.
    Super importante você compartilhar essa sua história, para que outras mulheres vejam que não estão sós nesses sentimentos ambíguos em relação à amamentação e, mais ainda, possam se cercar de informação e, principalmente, APOIO, para que a amamentação seja bem sucedida, seja prazeroza, e não um "fardo".
    beijo grande na barriga

    ResponderExcluir
  5. Querida Nine, demorei mas cheguei!
    Estamos na mesma fase, né? Todas as vivências da maternagem voltando e sendo re avaliadas!
    Fico feliz que a Isis teve seu leitinho garantido, assim como Joaquim e diferente da cesárea (minha) eu não tenho que amargar mais essa decepção com o primeiro filho.
    Estou muito tranquila com essa parte - amamentação para o segundinho, mas vou te contar um segredo. Joaquim ainda mama mais ou menos, está estranhando o colostro, que já produzo.
    Mas só quer o seio esquedo. Outro dia tentei dar o direito, ele veio com a maior sede: me lembrei dos primeiros dias... doeu de novo, acredita?
    Acho que não vai ser tão dolorido, mas ando me preparando para umas rachadurinhas.... ai ai ai!
    Mas vale à pena? Ô se vale!!!! Eu morro de saudade do meu leite, da fartura, dos looongos minutos pendurados ao seio!
    Hj ele só bica e vai embora... humpf.
    Ainda bem que já temos outro no forno!
    Bjos

    ResponderExcluir
  6. Percebe-se que eu comentei logada em outra conta, né?
    É a Anne!
    Bjo bjo

    ResponderExcluir
  7. Ai Nine, estou um pouco longe da blogsfera (alguns questionamentos e falta de tempo) mas tenho certeza que se não tivesse tido a enxurrada de informação que tive daqui.. eu não teria bancado a amamentação com banco até hj.

    Sabe o que escuto quase todos os dias... qua Laís sofre pq ainda mama... e isso para mim é o fim! Sei que ela não sofre.. e sei q a amamentação prolongada não faz nenhum mal a ela nem a mim..

    Fui (e sou) muito firme em relação a amamentação, mais do que achei q seria... acho um assunto tão ou mais importante que o tipo de parto.

    Nos recebemos todos os dias uma avalanche de informações em em relação ao beneficio da amamentação, mas em quanto não conseguirmos mexer um pouquinho que seja na cultura/costumes das pessoas, vai continuar sendo difícil para a grande maioria manter o aleitamento exclusivo e a amamentação prolongada.

    Torço muito para que tudo ocorra da maneira como vc deseja com o segundinho.

    Ah.. sobre a vergonha... sabe que eu nunca (nunquinha mesmo) pensei nisso. Botava o peitão para fora, na boa... via o peito como uma mamadeira grudada em mim.. e não como parte do meu corpo. rsrs Sou doida?

    Escrevi demais..

    Bjs grandes em vcs, viu!?

    ResponderExcluir
  8. Thamiris, comigo foi assim, a "ligação" forte que eu tenho com a Ísis se deu apenas depois do nascimento, costumo dizer que assim que nos olhamos, ainda na sala de parto. A amamentação muito contribuiu para o fortalecimento desse vínculo. Beijos!

    Dea, nada como a experiência, né? E a nossa, não a dos outros, hehe Beijos!

    Oi Renata, obrigada pelo carinho e pela força! Beijos!

    Thais! Obrigada! Compartilhar é o lema da maioria dos blogs maternos, né? Beijos!

    Oi Anne! Obrigada pela visita e comentário! Nada como poder revisitar a maternidade dos primeiros dias, agora com mais experiência! Beijos!

    Pois é, Martha! Total besteira minha ter essa vergonha, né? Mas era assim que me sentia, bah! Fruto de pouca convivência com a amamentação e com a visão machista de exposição dos seios, afe! Mas vai mudar nessa segunda, hehehe Beijos!

    ResponderExcluir
  9. Oi Amiga
    Adorei ler cada linha da sua experiência em relação á amamentação. Eu mantive exclusividade nos peitões apenas por 3 meses, foi o que deu, me culpei, chorei, mas no fim deu tudo certo.
    Estou torcendo que para a Valentina as coisas sejam diferentes.

    Bjo com carinho e estou aqui na expectativa sobre quem é a pessoinha que habita aí.

    ResponderExcluir
  10. primeiro: eu não tinha ideia que vc e dani eram irmãs!!!

    e não fazia ideia que o aleitamento era tratado desta forma logo num curso de nutrição, mas lendo seu relato vejo que faz todo o sentido a realidade ser esta: são médicos, nutricionistas, enfermeiras e mais um exército de pitaqueiros que prejudicam um ato fundamental para a saúde do bebê e para a formação do vínculo e do apego!

    felizmente a amamentação foi fácil para mim, não porque seja mais forte, mas porque me sintonizei com as pessoas certas e tive informação e apoio suficiente para manter a primeira por oito meses (largou sozinha depois da introdução de uma mamadeira de LA pela tarde) e o segundo até hoje com 20 meses (este tomou LM na mamadeira por três meses quando voltei para trabalhar e depois passou a recusar o LA).

    vou escrever mais sobre isso!

    beijoca e parabéns pelo texto!

    ResponderExcluir
  11. aqui foi assim, qdo eu estava gravida sempre me perguntavam em tom de cobrança: tu vai amamentar, NÉ? eu sempre quis amamentar entao respondia orgulhosa q sim, iria. e fiz, agora que o lucas tem 1 ano, essas mesmas pessoas insistem na pergunta': eai, tu vai parar quando?


    hahaha eu rio néam? digo q qdo eu decidir e nao dou mta abertura... q desaforo! hehehe

    ResponderExcluir
  12. Ana, é o que eu sempre digo: informação é importante para se poder fazer boas escolhas, mais conscientes, mas entre isso e a escolha propriamente dita há a sua vida, a sua realidade, aquilo que vc banca. Eu gostaria de ter amamentado mais, mais fiz uma introdução de mamadeira que resultou em desmame. Se eu não tivesse introduzido, Ísis teria mamado por mais tempo, como era meu desejo? Não sei, mas gostaria de poder voltar no tempo para saber! Beijos!

    Mari, pois é, são muitos técnicos cuidando de algo fisiológico, cada um com sua corrente de opiniões e aind tendo que lidar que o geral para a população...nada fácil. Hoje não sei bem como esta esta questão nas universidades de nutrição, porque faz tempo que não atuo na áera, mas para mim, na época, foi bem ruim esse primeiro contato! Beijos!

    Tchella, por aqui a pergunta foi sempre "tu vai tentar amamentar?", mas com orientações para a mamadeira, que segundo dizem, deixa o BB mais bem alimentado e ele dorme mais a noite...sem muita convicção e muito esforço, não se consegue sucesso em nada! Parabéns pela amamentação prolongada! Beijos!

    ResponderExcluir
  13. Guria!
    Que texto maravilhoooooso!
    Pode dizer que eu chorei lendo.
    "Mas não tem nada pra chorar!".
    Sei lá, a amamentação me comove e toca profundamente. Talvez porque tenha passado a gestação inteira convencendo Lorenzo a ser um mamão (e é, thanx God), talvez porque no primeiro mês eu também tenha pensado que eu fui louca em querer que ele fosse um mamão, porque aquilo tudo era opressor demais!
    Mas depois do primeiro mês passou e foi tudo lindo demais (e ainda é). Ele faz 7 meses amanhã, come papinhas há 1 mês e a amamentação ainda é o carro chefe. Ele ama!
    Bom te conhecer! Vou atualizar meus blogroll! Hehehehe
    Beijos

    ResponderExcluir
  14. Dani, obrigada! Que bom que vc gostou do texto! Beijos!

    ResponderExcluir
  15. "Difícil saber o que realmente queremos quando há uma legião muito bem equipada nos ditando regras de conduta a todo instante."
    Falou tudo, Nine! Belo post!
    Acho que a blogosfera e as redes de mamães das quais participamos nos ajudam bastante a andar na contramão dessas tolas regras.
    Adorei teu blog! Parabéns!

    Beijos,
    Aline
    http://maternandoben.blogspot.com/

    ResponderExcluir

Fale sobre você...

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...