Páginas

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Violência obstétrica: uma realidade vil

Estamos vivendo dias felizes, dias de esperança, dias de construção de uma realidade obstétrica brasileira mais afinada com as necessidades do ser humano; das mulheres, que gestam, que parem; dos bebês que nascem.

Quando eu leio textos de ativistas pela causa do nascimento humanizado, natural, com o mínimo de intervenções e com a devolução do protagonismo à mulher, protagonismo esse roubado pela tecnocracia, pela falácia e pelo machismo, eu fico radiante! Meus olhos brilham e eu não deixo de pensar que os netos que um dia eu espero ter possam nascer de maneira mais respeitosa e que minha filha e minha nora possam ter, de fato, o atendimento digno e respeitoso que merecem todas as mulheres em vias de trazer um filho ao mundo.

E então, numa tarde de terça, um vídeo assombroso chega para mim. E eu choro. E percebo que a dor que sinto naquele momento é a dor que mata, é a dor do desamparo, do desrespeito, da indignidade à que são submetidas mulheres mães de todos os cantos do país.

Se mulheres detentoras das maiores rendas deste país, do maior nível de escolaridade, são friamente submetidas a mentiras e a cirurgias que são, sim, responsáveis pelo aumento do número de mortes maternas e neonatais, responsáveis pelo aumento de internações de bebês em UTIs devido à prematuridade; as mulheres simples, as desprovidas de renda e informação são submetidas à violência nua, crua, sem o ambiente esterilizado das salas de cirurgia das maternidades e hospitais particulares dos grandes centros. A essas mulheres mães não há sequer portas abertas.

O vídeo que me chocou trazia uma jovem parturiente de um Estado brasileiro que, sentindo as dores do parto, correu em busca de atendimento em duas maternidades públicas da cidade onde morava. Na primeira não recebeu atendimento devido à superlotação e foi encaminhada para a segunda. Nesta, não abriram sequer o portão para que ela tivesse o direito ao atendimento garantido pela nossa lei maior, direito esse replicado em estatutos renomados, cartilhas bem elaboradas, material ovacionado mundo afora por legisladores, que muito se orgulham da modernidade de nossa legislação.

A irmã da parturiente resolveu filmar e o que se vê é o retrato do descaso, da indignidade, da violência e do despreparo das nossas instituições de "saúde". É o retrato de um sistema obstétrico falido, que trabalha para o bolso dos médicos e das corporações médicas, e não para aquelas e aqueles a quem deveria atender: mães e bebês.

O grito que se ouve não é o grito retumbante da mulher que pari com respeito, com dignidade, não é o grito da fêmea, que sentindo o filho que nasce, solta sua voz, libera suas entranhas da tensão da contração para que aquele ser tão amado e esperado venha para o novo mundo. O grito que se ouve é o grito do medo, é o grito do desamparo, da desinformação, do desrespeito, da indignidade.

Eu pari duas vezes. Dois partos vaginais distintos. Dois momentos vividos com intensidade e amor. Um parto com intervenções desnecessárias, algumas delas solicitadas por mim. Um parto natural, sem intervenções, vivido no ambiente seguro do lar que construí por 40 dias.

E no meu segundo parto eu gritei. Quando a onda da expulsão tomou conta do meu corpo o bicho humano falou mais alto e meu grito ressoou naquele apartamento. O meu grito não era o mesmo grito da mãe que pariu o filho numa escadaria, grudada às grades do portão que davam acesso à maternidade pública onde ela foi buscar auxílio.

Quando meus filhos escorregaram para fora do meu corpo, o grito transformou-se em gemido de prazer, de felicidade e eu estiquei meus braços para segurar aquele serzinho tão amado e esperado.

Quando o filho daquela mãe que pariu na escadaria escorregou para fora dela, ela silenciou. E no silêncio do choque do momento indigno que havia vivido, as mãos, que deveriam segurar o filho que nascia, continuaram grudadas às grades do portão da maternidade. O rosto não se moveu. As pernas penderam. O bebê foi retirado e a jovem mãe ficou ali, deitada no chão com o cordão umbilical ainda visível entre as pernas.

A irmã, que filmou tudo, reclamava que ela não era um cachorro para parir assim, no meio da rua. Que eles poderiam ter aberto o portão, peloamordedeus.


6 comentários:

  1. Nossa, Nine, que terror!!!
    Que terror!!!

    Que horror!

    Como este vídeo chegou a você??

    Nossa, que horror... e pensar que, diariamente, mulheres passam por isto...
    Nossa, que horror.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O vídeo é um horror, mesmo! Uma amiga repassou o link de uma reportagem. Pior é saber que isso, e coisas ainda piores, acontecem todos os dias... Beijos!

      Excluir
  2. Eu, que tô tão envolvida com o tema, que estou grávida, que ao completar 35 semanas de gestação mudei de GO pra ser tratada com respeito, fiquei indignada com esse fato. Fiquei triste e quase perdi as esperanças. Quase! Ainda bem que o movimento pelo respeito à mulher parturiente está crescendo e tem muita gente boa à frente disso tudo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Dany! Como te disse por email, estou acompanhando aqui quietinha a sua busca por um parto digno! Parabéns por ter coragem de largar o GO com 35 semanas! Vou ficar na torcida! Se precisar de algo, estou aqui! Beijos!

      Excluir
  3. Quanto mais eu leio sobre o assunto, quanto mais eu vivencio a minha maternidade, mais eu chego a conclusão que só atingiremos um patamar de respeito à gestante se todas as mulheres entenderem que essa luta é de todas nós!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, com certeza, dignidade para parir é uma luta de todas as mulheres e homens. O respeito ao nascimento não pertence apenas às questões femininas, ainda que seja em nós que elas sejam mais sentidas. Beijos!

      Excluir

Fale sobre você...

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...