Nestes dias de segunda gravidez eu passei a divagar mais sobre algumas questões relacionadas com a maternidade e que já haviam ficado lá atrás na memória. Uma delas é o parto, claro, mas não é sobre ele que eu vou escrever hoje. O assunto é igualmente polêmico, gera discussões e mais discussões na via real e na virtual, mas não tenho o objetivo de gerar polêmica, apenas falar sobre um tema que é constantemente revisitado por mim, como mãe, como mulher, como mamífera.
Não me considero uma militante de nada, mas me sinto na obrigação de conversar com pessoas conhecidas sobre o assunto, pois penso, logo existo, e minha opinião sobre a amamentação, assim como minha visão sobre vários aspectos da vida, vem sofrendo alterações desde que passei a atender pela alcunha de mãe da Ísis.
A amamentação nunca foi um assunto que estivesse em pauta na minha vida, diferente do parto, que volta e meia permeava meus pensamentos. Creio mesmo que há mais de dez anos atrás eu fosse favorável ao aleitamento com fórmula.
Eu me formei em nutrição e me lembro muito bem que, apesar de havermos estudado a composição do leite materno, e comprovado já nos idos de 1998 que o mesmo era o melhor para o bebê, passamos muito mais tempo aprendendo a desenvolver "fórmulas" artificiais na disciplina de Nutrição Materno e Infantil (uma das minhas preferidas na época da faculdade): desde leite de arroz, de farinha, diluição correta do leite de vaca integral, fórmulas. Sobre a amamentação em si, aquela natural, ao seio da mãe, nada, ou quase nada. Um contrasenso, eu creio, mas em se tratando de políticas públicas sobre o assunto, é possível compreender os motivos para tal fato, apesar de hoje não concordar com eles.
Lembro-me que nessa disciplina fizemos uma espécie de debate sobre o LM x LA, que funcionou assim: uma equipe de futuras nutris defenderiam o aleitamento natural, outra equipe defenderia o aleitamento artificial, com fórmulas, e uma terceira, da qual eu fazia parte, julgaria qual das duas ganharia. Incrivelmente (até para mim, na época) a equipe do LA ganhou a disputa do debate, contra todas as informações trazidas pelas colegas do aleitamento materno. O LA tinha muito mais informações, muito mais marketing envolvido, muito mais recursos de convencimento, ao contrário do LM, o coitado, tão desprovido de certezas médicas, apostilas lindas, brindes diversos e marcas importantes que o respaldassem.
Apesar de achar estranho eu mesma haver me convencido de que o LA merecia ganhar a disputa, não dei bola para o assunto e só fui voltar a pensar nele dois anos mais tarde, quando uma colega fez um estágio na maternidade do Hospital Universitário e passou a me contar como era o preparo da "mãezinha" para obter sucesso no aleitamento. A minha reação foi achar tudo um horror! Como assim dores, choros de fome, mastite, fissuras, sangramentos? Melhor dar a mamadeira logo! E ainda havia o transtorno de "expor" os seios sempre que o bebê tivesse vontade (já se falava em livre demanda). Nã-não!
O tempo passou e fui titia antes de ser mãe, acompanhando as dores da minha irmã nos primeiros dias de amamentação. "Como ela aguenta? E esse bebê que não para de chorar? Coitada, dar o seio fissurado a cada hora! Por que não dá logo uma mamadeira, pelo menos até recuperar o seio?" Mas ela era mãe, eu era tia, e existe um abismo entre as expectativas e motivações de ambas. Eu pensava somente no bem estar dela, minha irmã querida, e ela pensava apenas no bem estar dele, seu filho bem amado. E isso sempre faz toda a diferença.
Quando engravidei pouco pesquisei sobre a amamentação, apenas que seria o melhor para o bebê e para a mãe, como nutricionista sabia que seria a composição ideal de alimentação para minha filha, que seria importante colocar o bebê para mamar logo após o nascimento. Ouvi falar de livre demanda, não teci maiores conclusões sobre o assunto e comprei várias mamadeiras.
E a Ísis nasceu, linda e sedenta por um seio, veio logo mamar e agarrou o bico, erroneamente, ficando nessa pega equivocada por horas na primeira noite. O resultado foram seios fissurados logo no primeiro dia, uma dor lancinante a cada tentativa de amamentar, a percepção tardia de que havia me informado pouco e o vislumbre de que poderia fracassar e ceder às lindas mamadeiras que compuseram o enxoval da minha filha.
Por sorte, minha irmã passou uma noite comigo, conversamos um pouco e ela me disse para persistir, que passaria e que amamentar havia sido maravilhoso para ela e para meu sobrinho, para ter fé e passar uma pomadinha para auxiliar na cicatrização.
Foi o que eu fiz, eu persisti por 15 dias naquelas sessões quase que horárias de tortura. A cada abocanhada da Ísis parecia que minhas entranhas reviravam de dor, eu tinha vontade de gritar, de desistir, mas...ao ver a carinha dela mamando, ao senti-la no meu peito, naqueles dez minutos mais que maravilhosos, eu ganhava forças para continuar.
O primeiro mês ainda foi mais complicado, pois passei um pouco mal com a apojadura, tinha dores quando a Ísis dormia e passava do horário de mamar, vazava leite por tudo, eu fiquei muito cansada porque ela mamava muito e quando não estava com fome tinha uma necessidade muito grande de sugar. Vivia pendurada no peito (e eu nem conhecia o sling!).
Depois disso, com as dores indo embora, com o controle da produção que evitava maiores desconfortos e vazamentos constantes, veio a sensação de estar "presa". Eu não podia me ausentar por mais de 1 hora e isso significou muito para mim, porque eu sempre prezei muito a minha liberdade de ir e vir. De uma hora para outra eu estava atada à minha pequena sugadora e entre o prazer e a agonia, a necessidade de estar ligada ao meu bebê, alimentando-o com o melhor alimento que ele poderia ter, e a necessidade de ser eu mesma, eu sofri um bocado.
Ainda havia tabus a serem quebrados: eu sempre tive muita vergonha de amamentar em público, na frente de estranhos. Uma bobagem, eu penso hoje, mas que na época fez uma diferença enorme porque eu mal saía de casa com a Ísis para evitar essa situação. Quanto arrependimento! Eu me lembro de entrar em pânico sempre que precisava sair de casa com ela só por antever o choro e a necessidade de dar de mamar!
Depois dos seis meses de exclusividade e com a introdução dos suquinhos e alimentos eu desencanei um pouco, eu conheci a blogosfera no finalzinho e após muito ler eu me vi como uma boba, que havia sido manipulada pela sociedade e por interesses contrários ao meu bem estar e da minha filha.
Eu muito filosofei comigo mesma sobre isso e eu me dei conta de que não havia apoio algum à amamentação no meu círculo de convivência, que todos achavam legal amamentar nos primeiros seis meses, mas poucos mantinham essa opinião quando a criança já estava mais velha.
E ainda houve o retorno ao trabalho, a ida da Ísis para escolinha em turno integral, enfim...nos desmamamos. Não sei se teria sido assim caso eu tivesse mais informação e mais coragem de bancar minhas decisões naquela época. Foi o que foi, eu não me culpo, mas se pudesse faria diferente.
Semana passada no blog da
Lola eu li um texto sobre amamentação (incrível como uma mulher que não é mãe e não pretende ser consegue ser tão lúcida sobre esse assunto!), onde ela linkava um artigo que trazia o histórico da amamentação no Brasil. Lendo o artigo eu reforcei minhas idéias de que nós mulheres fomos e somos muitas vezes manipuladas por interesses frequentemente contrários aos nossos, interesses econômicos, religiosos, sexuais. E o pior é que temos a nítida ilusão de que escolhemos livremente, de que tomamos decisões conscientes e baseadas unicamente em nossas convicções. Ledo engano.
Difícil saber o que realmente queremos quando há uma legião muito bem equipada nos ditando regras de conduta a todo instante.
Agora terei a chance de viver a amamentação de maneira ainda mais plena, mais consciente, mais livre, mais leve e, espero, por mais tempo.
Deixo o
link do artigo para leitura.