Como em quase todos os dias desde que nasceu, o Infante acordou plácido em seu berço e não chorou. Em vez disso começou um bate papo com as cobertas. Em um minuto, uma tossezinha nervosa me avisa que está na hora de levantar e começar o dia alimentando meu bebê.
Já se vai longe na memória aqueles primeiros dias nervosos de amamentação de um recém nascido. Não adianta, por mais filhos que se tenha, cada experiência é única.
Passados os primeiros trinta dias, ultrapasso o marco da sensibilidade dos bicos dos peitos, mas ultrapasso também aquela boa vontade de levantar madrugada à dentro. Por mais lindo e necessário que seja, eu só queria ficar quentinha e quietinha na minha cama.
Sessenta dias de amamentação. Chego na marca brasileira do desmame. O desmame por aqui está longe, muito longe. Mas temos um novo problema (?). O Bicho agora quer mamar. Ela sempre teve uma afeição pelos meus peitos, mesmo depois de parar de mamar, mesmo depois de "grande". Ver o irmão mamando, sendo acalentado e acarinhado, despertou nela uma vontadezinha. Não de leite, mas de aconchego. Aquele colo já não é mais apenas seu. Aquele olhar, já não é mais apenas para ela.
Um dia ela me pediu para mamar. Eu deixei. Triste foi verificar que ela havia esquecido como fazer para retirar o leite do peito. Ela me olhou meio frustrada, meio triste. Mas não sai leitinho, ela me disse. Você precisa sugar, como na mamadeira, eu expliquei. Nada. Não tem problena, ela me disse, com aquele errinho de fonema que eu acho tão bonitinho. Não filha, não tem, você já mama na mamadeira, eu acrescento, como se aquilo fosse algum mérito, uma evolução da arte de mamar.
Então o amamentar virou um momento de carinho para ela. Não de mim para ela, mas de mim para o irmão. E ela se sentiu excluída daquele momento. Pediu para que eu não desse de mamar, que o papai desse então! Mas o papai não tem leite!
Difícil. Se o Infante não mamasse, eu passaria mais tempo com o Bicho, porque a mamadeira qualquer um poderia dar. Meu peito não. Meu peito e meu leite eram meu presente para meu caçula. Impossível não filosofar sobre o papel da amamentação no vínculo com o bebê. Até crianças pequenas, muito pequenas mesmo, ao ponto de não conseguirem falar a palavra problema sem erro de fonema, são capazes de perceber que dar de mamar não é apenas alimentar.
Penso em divisão e passo a não gostar mais dessa palavra. Não quando sou o objeto da divisão. Não dá. Não posso me dividir, não consigo. Então vamos compartilhar. Mãe não se divide, se compartilha.
Noventa dias. Estamos no final da exterogestação. Minha vida com meu bebê é um eterno ciclo de mamadas, trocadas, slingadas, cochiladas. E a noite fria do inverno sulista me desanima. Difícil sair da cama aquecida para colocar os peitos para fora às três da manhã. Amamentar não é fácil nesse inverno do cão, eu penso.
Um dia, depois do banho, o Bicho me pede para mamar novamente. Como sempre, eu deixo que ela abocanhe o meu peito. Ela me olha e eu tenho um vislumbre de nossos primeiros momentos juntas. Saudade. O peito estava cheio e começa a pingar. Olha mamãe, tá saindo leitinho. Pode mamar, eu digo. Ela põe na boca e acha estranho. Estranho. Pode? Esse tétinho é natural, eu explico, não tem chocolate. Eu me sinto falando ao contrário, como aqueles antigos LPs quando girados na contramão. Contramão.
Cento e vinte dias. Vamos evoluindo, assim como o inverno. Agora já é difícil deixar os peitos descobertos de dia. Santa lareira! A cada mamada eu arrepio só de pensar no toque gélido da boca e das mãozinhas do meu bebê. A primeira no seio, que está quente e farto. A segunda nas costas. Ele fica lá arranhando minhas costas com aquelas unhas de gatinho. Por fim nós dois nos aquecemos um no outro. O bebê cochila com as bochechas rosadas.
Cento e oitenta dias e o início da ordenha. Começo difícil, como todo começo. Sinto falta do meu bebê quando o leite sai. Sinto frio, um frio imenso depois de ordenhar meu leite. Não era para ele sair assim, sozinho, isolado, retirado com o barulho do motor da máquina. Morro de frio. Só o meu bebê me aquece.
Por outro lado sinto uma certa satisfação ao encher um bom pote daquele líquido branco e ralo. Ralo. Há!
O Bicho finalmente parece melhorar sua relação com a amamentação do Infante. Tantas conversas. Tantas! Tantos carinhos, tantas fotos e descrições de quando ela mesma era um bebê. Agora ela só pede que eu o amamente ali, ao lado dela. Com a mão livre eu lhe faço um carinho, ou impeço que ela se jogue sobre a cabeça do irmão. Nem sempre consigo.
Seis meses. Completos! Chegamos na marca. Mas e agora? Meu leite venceu, deixou de ser alimento importante para o meu bebê, assim, só porque atingimos essa marca? Começo a introdução de alimentos com muita cautela, assim, meio enciumada daquele mamão amassadinho que ele abocanha com curiosidade. Não somente eu, mas eles, os peitos, ficam ressentidos da falta que o bebê faz. Dóem e gotejam o leite desperdiçado. Ele já não mama mais como antes. Agora ele come. Sua gengiva mastiga tudo que lhe oferecem. Com gosto. E eu gosto.
Mas as madrugadas...ah, nelas os peitos ainda imperam! Com uma chupeta aqui e ali, quando é o pai quem vai atendê-lo. Ele, o Infante, pode querer mastigar de tudo durante o dia, mas à noite é a sucção que o faz ninar. No peito, quase sempre. Ainda.
Oito meses. Minha marca fatídica. Foi aqui que o Bicho desmamou, e naquela época eu achei normal. Tolinha. Caí na emboscada. O Infante começa a dar os primeiros sinais, aqueles sinais de não querer mais ficar ali, olhando meus peitos, quando existe um mundo tão colorido em volta. Ah, mas desta vez eu estou preparada! Não vou me preocupar. Vou apenas seguir o caminho, dar tempo ao tempo. Deixá-lo livre para demandar.
E ela já está tranquila com a amamentação do irmão. Faz meses que não me pede para mamar. Agora ela quer experimentar as comidas que o irmão come. Tudo que ele come ou toma, menos o leite do peito. Esse ela tomou, um copinho de 50ml de uma ordenha. Achou docinho o tétinho natural do mano, mas o dela tem chocolate! Vai seguir assim.
Espertinha. Sabe que o mano fica tranquilo quando está mamando, de maneira que, quando ele está conversador, gritador, peraltiando em volta, atrapalhando a brincadeira ou o desenho favorito dela, logo escuto a frase: dá de mamar prá ele mamãe, ele tá com fome! Agora enquanto ele mama, ela faz carinho na cabecinha dele, beija as bochechas rosadas. E ele para de mamar para sorrir para ela.
Não há cheiro que me dê mais saudades do que o cheiro da amamentação exclusiva. Aquele azedinho de leite materno, mas meio adocicado, suave. Pele, leite, calor. Proteção.