Uma das imagens mais lindas na minha cabeça é a de um pessegueiro passando pelas quatro estações. Depois do inverno, quando os galhos ficam secos e esbranquiçados, surgem as primeiras flores, tão delicadas, tão inapropriadas naqueles galhos estéreis que é como se elas não devessem estar ali. Mas elas estão.
Cada um age conforme suas vontades, mais ou menos controladas pelas vontades do outro.
Quando me casei, o primeiro ano, ainda muito antes de assinar a papelada, foi incrivelmente difícil. As discussões eram quase diárias. Os mal entendidos eram comuns. Os namorados de outrora agoram tinham que aprender a ser marido e mulher, companheiros no mais alto grau de intimidade. A parte que não aparece nas comédias românticas. E aparece esculachado nas comédias de costumes, que eu adoro.
Quase pensamos em desistir. Não daria certo! Nem um ano morando juntos e já estávamos nos desentendendo feio. Mas o amor estava ali. Muitas conversas, regras, ideias...fomos nos entendendo, respeitando, nos apagando um pouco como indivíduos para florescer o casal.
Quando me tornei mãe, foi muito mais difícil, porque, ainda que como esposa eu já houvesse mudado um pouco, revisto algumas coisas, exigido e cedido, como mãe a alteração na maneira de viver, conviver e até pensar seria ainda maior. E foi. Mas poderia não ter sido.
Quando falamos sobre maneiras de maternar é discussão na certa. Gosto da teoria da maternidade ativa e consciente, da criação com apego. Meu coração me diz que é o melhor para meus filhos. Melhor para mim? Nem sempre. Melhor para meu marido ou para nossa relação conjugal? Não, nem sempre. E é aí, nesse nem sempre, que pode virar quase nunca, que mora a fatídica escolha com consciência. É onde mora o sacrifício.
Convenhamos: ser mãe e pai é difícil. Na boa, é a coisa mais difícil que eu já fiz na vida. E a recompensa não é imediata, a espera pelo resultado é longa. Nem sempre virá como esperamos.
Quando minha filha era bebezica (e isso na minha mente foi ontem :)) ela sempre esteve no topo da minha lista. Ela estava acima de tudo, de todos. Entre ela e qualquer outra coisa, pessoa, situação, era ela com certeza. É óbvio que ela precisava de mim. Ainda precisa, não tenho dúvidas.
Então eu parei com tudo e estabeleci regras. Trabalharia minhas 8 horas diárias, viria em casa para almoçar na metade do dia, ainda que isso significasse não raras vezes engolir rapidamente a comida fria depois de brincar com ela a maior parte do tempo. Depois do trabalho e aos finais de semana, sair só com ela. Babá era usada somente quando eu estava trabalhando.
Marido reclamou algumas vezes, é verdade. Por que não deixar com a babá uma noite por semana? Não, eu respondia, ainda não. Ainda não é hora. Um passeio em que ela não poderia ir, não íamos. Um evento estressante demais para ela, não íamos.
Agora, é forçoso dizer que era assim, esse grude todo, porque vivemos longe da família. Com certeza seria mais tranquilo se vivêssemos perto dos tios e avós. Ela conviveria com eles e deixá-la na casa da avó algumas horas na semana, não seria má ideia. Seria muito bom para mim e meu marido. Mas não dava. Com avó, tia, sim. Com babá, não. Minha casa, minha regra.
Enfim, o tempo passou e quando as coisas começaram a dar uma acalmada encomendamos o Pedro. Tudo novo novamente. Todas aquelas situações de mega doação vividas novamente. E eu e marido sabíamos que com o segundo filho seriam pelo menos mais 2 anos dessa dedicação exclusivérrima a ele e à irmã. Foi uma decisão bem pensada com a vantagem de que na segunda vez sabíamos onde estávamos nos metendo (ao contrário da primeira vez).
E agora eu não tenho mais só a Ísis no topo da minha lista. Eu tenho Ísis e Pedro. O casal continua firme e forte, e porque há muito amor e companheirismo sabemos que estamos no caminho certo para nossa família. Ainda que haja dias em que nós dois desejamos que os filhotes durmam mega cedo, ainda que haja dias em que pensamos como seria bom despachá-los por uma semana para a casa dos avós, ainda que haja dias em que nos peguemos imaginando nossa vida sem os filhos. É normal, é natural. São momentos de fuga que vem associados ao cansaço da rotina automática do dia a dia. Mas são só isso: momentos de fuga. Porque a nossa vida mesmo, aquela que queremos viver todos os dias, aquela que nos faz acordar empolgados mesmo num dia de chuva, é a vida a quatro vidas. É a vida com filhos.