Eu escolhi educar sem bater nos meus filhos.
Quando eu escrevo a frase acima, não estou julgando quem bate nos seus filhos, estou apenas afirmando que bater ou não bater é uma escolha.
Um tempo atrás, antes de ser a mãe da Ísis, eu acreditava nas tais palmadas educativas. Como adulta e egoísta que era, detestava criança mal educada, manhosa, desobediente. Uns tapinhas...nada de mais!
Então veio o fenômeno de colocar no cantinho da disciplina e eu achei super legal! Uma alternativa aos tapas! Mas eu ainda não era mãe, era apenas tia.
Depois do nascimento da minha filha a ideia de bater nela era inconcebível! Nunca, jamais conseguiria! Claro que eu tinha um bebê em casa e bebês são seres mágicos, que nos hipnotizam, nos fazem babar por eles, fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para satisfazer seus desejos e ganharmos aqueles sorrisinhos cheios de ternura! Eles não sabem, não entendem e são tão...fofos! O mesmo já não acontece quando nossos filhos perdem essa aura mágica e passam dos 3 anos...
O tempo passou, eu engravidei novamente e foi então que eu tive que começar a testar minhas convicções. O mal estar generalizado que eu senti durante toda a gravidez do Pedro fazia com que a minha paciência estivesse bem limitada. E a Ísis já não era mais aquele bebezinho. Era uma menininha cheia de energia, de vontades, de palavreados.
Senti vontade de bater nela algumas vezes antes do nascimento do Pedro, mas consegui respirar fundo e me segurar. Conversando sobre isso com uma amiga virtual ela me recomendou que lesse o livro da Laura Gutman: A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra. A questão não seria se segurar para não bater, mas sim caminhar rumo a não sentir vontade de bater. Aquilo me pareceu, na época, algo praticamente impossível!
O tempo continuou passando, o Pedro nasceu, os desafios do dia a dia aumentaram, a falta de sono fazia com que a paciência diminuísse. Mas eu seguia firme e forte sem bater, conversando, explicando, me afastando dela quando a coisa ficava por um triz. Algumas vezes, nos momentos de exaustão, eu gritei com ela. Gritei para me arrepender pouco depois.
O tempo da licença maternidade foi intenso, foi difícil, mas foi muito rico em aprendizados. Foi ali que a vontade de bater na Ísis quando ela fazia repetidamente algo errado se esvaiu. Eu internalizei de uma maneira tão drástica, fiquei tão conectada com a criança, a irmã mais velha que um dia eu havia sido e que recebera uma irmã, que eu simplesmente perdi a vontade de bater nela. Esse processo, de retroceder, relembrar a criança que eu havia sido e entender muitos dos comportamentos inadequados da minha mais velha, foi muito difícil psicologicamente. Eu estive cara a cara com as minhas piores sombras (Laura Gutman já havia virado livro de cabeceira), mas estava saindo vencedora deste embate, com um enorme ganho para mim enquanto pessoa, pois que passei a me reconhecer melhor e a trazer para mim, ainda mais, a responsabilidade pelas consequências dos meus atos.
A partir de então não era mais ela quem me irritava, mas sim EU quem estava cansada e com pouca disposição para seus arroubos infantis. Eu percebi que não era ela, a minha filha de 3 anos, a culpada pela minha falta de paciência. Não era ela quem estava me irritando, me provocando ao extremo. Era EU quem não estava em condições físicas e/ou emocionais para lidar com as situações difíceis que se apresentavam. E me dar conta disso, por mais óbvio que possa parecer, foi como um clic! Foi libertador! Reconhecer a minha incapacidade de lidar com algumas situações foi o primeiro passo para consolidar uma educação sem violência física na minha casa.
Não estou dizendo que não perco a paciência, que não tenho meus dias de fúria, de sombras, onde qualquer coisa me tira da linha, mas fui desenvolvendo maneiras de lidar com esses dias, com esses momentos, e as crises vão espaçando. Elas retornam sempre que EU estou cansada, com fome, com sono, frustrada.
E eu gostaria de poder dizer que a partir de então todos se entenderam e foram felizes para sempre, mas...isso não é um conto de fadas, é a vida de verdade e ela vem sempre cheia de muitos e muitos desafios. O dia a dia é muito corrido, o relógio é sempre um inimigo à espreita e as crianças não foram feitas para a pressa, a correria, os dias agitados. A culpa não é delas.
Eu perco a paciência com a Ísis muitas vezes, mais do que gostaria, com certeza. Quem tem filhos acima dos 3 anos sabe bem como é conviver com estas cápsulas ambulantes de energia, curiosidade e desafio! Não é fácil e se torna ainda mais difícil devido ao pouquíssimo tempo que temos para estar com eles, nossos filhos. Mas cada vez mais eu consigo controlar meus arroubos, meus momentos de grito, que podem até não ser violência física, mas é violência verbal e eu também quero deixá-los para trás.
Eu e marido conversamos muito sobre isso e traçamos algumas regras, dentre as quais a mais importante é a de que quando um de nós está muito cansado, o outro assume a questão para evitar cenas desnecessárias. Funciona sempre? Claro que não! Até porque em muitos momentos estamos sozinhos com as crianças e não há a quem recorrer.
Outra regra de ouro é se afastar quando a crise já avança sem que pareça ter fim próximo. Pode parecer ridículo de dizer, mas nós adultos, por vezes, queremos medir forças com as crianças! Eu e marido por vezes ficamos num toma lá dá cá com a Ísis, que além de ser ridículo, é infrutífero! Não temos que ter a última palavra e temos que permitir que as crianças expressem seus sentimentos com segurança. O controle desses sentimentos virá com o tempo e a necessidade. O adulto da relação somos nós.
E a educação sem surras está sendo extremamente válida nesta fase em que a Ísis iniciou a escola. Quem tem filhos na escola sabe que sempre rolam uns empurrões, uns tapas e até mordidas devido a competições por brinquedos ou pela atenção da professora. Como não batemos nela fica mais fácil exemplificar como esse comportamento é errado, mas se fizéssemos uso dos tapas, como dizer a ela que ela não pode bater nos colegas da escola? Ou no irmão? Como dizer que isso é errado?
Infelizmente ainda há pessoas que confundem educação sem violência física com educação sem regras e limites, sem penalidades quando essas regras são quebradas. Como toda família, nós também temos nossas regras de convívio, mais ou menos elásticas dependendo da situação. A Ísis conhece as regras e quebra-as constantemente! Normal, ela é uma criança de 3 anos! Tem muito adulto que não segue as regras de convivência, as leis vigentes e não apanha por isso...
Não raras vezes eu ouço ao dizer que não bato nos meus filhos, que uma palmadinha de vez em quando não faz mal, ou que quando as crianças passam dos limites só uma palmada resolve. Pode resolver no momento, ou por algum tempo, mas crianças são crianças, apanhando ou não. Todas vão aprender a conviver em sociedade, a respeitar os outros, a seguir as regras vigentes mais cedo ou mais tarde, cada uma a seu tempo.
A diferença entre uma criança que apanhou e uma que não apanhou pode não ser visível no mundo adulto, mas ela existe com toda certeza. A diferença de relacionamento entre pais e filhos de famílias que fazem ou não usam de violência pode não ser visível em primeiro plano, mas ela existe com certeza. A escolha sobre que tipo de família e filhos queremos é de nossa única responsabilidade.
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Chezlesbeaup