Eu tinha outro texto para hoje, contando as peripécias da Ísis, mas o texto sobre cesárea publicado na segunda gerou ótimos comentários e mais algumas reflexões, pontos de vista, então eu achei melhor continuar nesse assunto para aparar algumas arestas sobre o que eu já escrevi aqui.
Não tenho o objetivo de polemizar, longe disso, mas bater um papo legal sobre um tema que sempre permeia discussões e mais discussões no meio virtual e no nosso dia a dia real. Com a minha DPP chegando, parto e nascimento é um assunto que está presente no meu dia a dia, faz parte das minhas leituras diárias, das minhas descobertas e filosofadas caseiras e no consultório do obstetra.
Eu não sou do tipo militante acirrada não, mas confesso que admiro um bocado essas pessoas que abraçam bandeiras e lutam pelas causas nas quais acreditam. Foram elas que me fizeram pensar e pensar sobre parto já na primeira gestação, quando eu ainda aceitava como normal a minha obstetra responder às minhas dúvidas sobre parto nas primeiras consultas com a famosa frase "é muito cedo para falarmos sobre o parto".
O resultado foi que eu cheguei às 39s6d de gestação e tudo que eu sabia sobre o parto eu havia aprendido na internet, nada com as duas obstetras que me atenderam, pouquíssimo no curso de gestantes que eu fiz no hospital onde eu ganharia a Ísis.
Nunca é muito cedo! Ao contrário! Para quem quer realmente entender o que acontece consigo, com seu corpo, sua mente e com seu filho, os nove meses podem não ser suficientes - como de fato não o foram na gravidez da Ísis. De lá para cá foram mais de 2 anos de estudos, leituras, discussões, troca de informações, desconstruções de idéias pré concebidas, convencimento, encantamento, decisão.
Eu me lembro que no início, quando lia o
Mamíferas, por exemplo, ou o blog de militantes pelo parto natural, eu me irritava profundamente quando elas publicavam textos questionando a falsa idéia da escolha alheia sobre o parto. Ou quando elas diziam que cesárea não era parto, era cirurgia. Eu realmente não gostava de ler aquilo, porque eu pensava "quem elas pensam que são para me dizerem que eu e mais outras tantas mulheres não escolhemos livremente o modo como nossos filhos nasceriam? sou ignorante por acaso? e elas, são as espertas? que diabos de
matrix é essa?"
Mas dos blogs eu passei aos livros, dos livros aos artigos científicos, às pesquisas, às discussões, às trocas de idéias...e hoje eu compreendo o que elas queriam dizer com as "não escolhas" e "não partos".
Eu defendo sim o direito de escolha, mas da escolha verdadeira, baseada em informação de qualidade, pesando prós e contras. E eu defendo mais: o direito de toda família ter acesso a uma experiência de nascimento digna, respeitosa, natural, fisiológica e que de fato seja a melhor para mãe E bebê. E isso, infelizmente, está muito longe de ser alcançado.
Lutarmos pelas nossas experiências individuais é um trabalho de formiguinha...pode nos trazer os resultados que nós esperamos, nós podemos conseguir sensibilizar uma ou duas pessoas, mas é muito pouco para conseguirmos atingir a maioria da população. E por isso eu admiro essas militantes, ainda que uma ou outra pese a mão na hora de escrever. Sem elas eu não teria buscado mais já na primeira gestação e poderia ter me privado de um dos acontecimentos mais lindos da minha vida.
Importante frizar que não há como uma mulher se sentir mais e melhor por desejar e conseguir um parto digno quando essa mulher sabe que a maioria das outras nunca vai viver tal experiência. Na verdade, perdemos todas sempre que um parto frank acontece, ou uma cesárea não necessária. Perdem nossos filhos.
Mais importante ainda é entender que não dá para buscar culpados apenas: médicos, hospitais, mães, avós, maridos...temos que buscar é informação e com essa informação em mãos irmos em busca do que queremos. Termos consciência de que muitas vezes isso não basta, que apesar de toda informação somos barradas no sistema obstétrico vigente, é desesperador. Eu sei de pessoas próximas que acabaram numa cesárea, mesmo com toda informação de que estavam munidas, ou então num parto totalmente desrrespeitoso, dolorido e sofrido.
A humanização do parto não pode e não deve ser elitista, mas forçoso é admitir que, por enquanto, ela é. E para que haja mobilização pelo coletivo, esse coletivo tem que estar cercado de informação de qualidade. A internet é democrática nesse sentido e todos os textos que eu escrevi sobre o assunto tem o objetivo de registrar a minha caminhada e tudo que precedeu ao nascimento dos meus filhos, assim como informar quem passa por aqui e resolve perder alguns minutos lendo o que eu escrevi.
Não há julgamentos aqui, apenas constatações baseadas em estudo.
...
Eu recebi comentários ótimos no texto anterior e resolvi fazer um texto resposta para aprofundar um pouco mais pontos de vista que não foram bem esclarecidos. Vou copiar partes dos comentários que eu gostaria de responder:
Sthefanny: Também fico sem saber o que dizer ao ouvir tanta grávida justificando pra mim os motivos da cesárea com motivos irreais. Fico sem reação quando elas dizem que "teve que ser cesárea", que elas queriam parto normal, mas "não deu" e essa foi a melhor escolha que elas poderiam ter feito por causa "dos riscos de insistir num parto normal". Como é que a gente reage??
Esse eu acho um dos pontos mais delicados de se discutir, porque a primeira reação óbvia é a pessoa em questão te/se perguntar quem você pensa que é para julgar que ela foi enganada. Se a pessoa não é tua amiga íntima, com quem você consiga ir conversando de leve, aos poucos, apresentando um texto aqui, um livro ali, há que se pensar bem se é o momento de comentar qualquer coisa. Na maioria das vezes não é, porque o outro não quer saber. É como quando você compra uma roupa que queria muito, sai da loja super satisfeita com a compra, afinal era o que você queria, a roupa cabia perfeitamente em você, era linda, maravilhosa...talvez você tenha pago um pouco caro por ela, mas não importa, porque voce queria muito! Então você passa na vitrine da loja ao lado e vê uma peça igual a que você comprou e os dizeres no vidro "liquidação". E aí? Você vai querer saber que se tivesse andado poucos metros a mais teria comprado a mesma peça pela metade do preço? Eu não gosto disso! Nunca vejo! Mas numa próxima vez, talvez, eu me esforce para andar um pouquinho mais...
Amanda Lima: Aqui também temos os G.O. que fazem terrorismo com PN, mas eu falo mesmo. Por que muitas mulheres simplesmente não pensam nisso! Tenho uma colega gravida, que quer cesárea. Disse pra ela pelo menos esperar o TP, ela disse que não queria sentir dor. Aí falei que se ela fizesse antes e o neném não estivesse pronto, ela só ia ver o filho depois de 2 dias por que ele ia ter que ficar na UTI e tudo mais(sim, isso é terrorismo, shame on me). Mas ela conversou com o G.O e ele confirmou que, em raríssimos casos acontece. A mulher virou bicho e disse que não vai fazer cesárea antes do TP, que o médico não tinha dito aquilo, que ela achava que a gestação era só até 40 semanas e depois dava problema. Pura e simplesmente falta de informação. Um bebê de 38 semanas ainda pode ter um mês no útero, simples assim.
Amanda, admiro você falar sempre! Eu não consigo fazer isso. E você fala o que eu sempre penso e repito quando necessário: nós mulheres não temos todas as informações para podermos sair dizendo por aí que escolhemos, temos o direito de escolha. Assim como essa sua amiga, tantas outras mulheres são sim enganadas pelos médicos sob a falsa idéia de estarem fazendo o melhor para elas e seus filhos. Lembrei agora de outra moça que conheci nas férias e que me contou que o filho havia nascido com problemas respiratórios, havia ficado na UTI porque ela havia perdido muito líquido amniótico antes da semana 38. Como ela não havia entrado em TP, o obstetra dela achou melhor agendar a cesariana. E aí eu perguntei se ela não havia sentido sair o líquido: não, foi a resposta. Perguntei se ela havia visto o resultado do exame e pedido uma segunda opinião: não foi a resposta...e aí eu fiquei me perguntando: será?
Martha: Nine.. sabe que eu penso muito quando leio seu post (e de outras queridas), pq sei que vc não esta tirando isso do nada, que esta "estudando" muito, que tem o conhecimento e que principalmente nunca seria "doida" (rs) de fazer alguma coisa q colocasse em risco vc e o pequeno por uma bandeira.
Colocar a saúde do bebê em risco em nome de uma bandeira era uma das coisas que eu pensava sobre as militantes do parto no início. Depois eu percebi que isso era um preconceito meu, arraigado em anos e anos vendo os médicos tomarem conta de algo que é fisiológico e próprio da mulher. Quando mais a gente estuda o parto e o nascimento, mais a gente se dá conta de que quem coloca em risco sua vida e a do bebê em nome de uma bandeira (o falso parto sem dor) ou devido à falta de informação são aqueles que escolhem/permitem cesarianas desnecessárias.
Mas... no fim eu acabo sempre chegando a mesma conclusão de que é muito difícil a grande maioria ir contra o médico. Afinal agente sempre acha que ele esta naquela posição, pq estudou para aquilo e fez todo um juramento e tal. Eu concordo muito e vejo muito sentido nas suas palavras, na sua indignação em relação a cesarea eletiva. Mas sei que cada um vai daquilo que é melhor para a sua realidade. (...) tenho certeza que não teria apoio nenhum para ir contra aquele que diz que estudou para aquilo e diz que sabe o que é melhor para mim. Acho q alem da conscientização da gravidas o trabalho deve ser muito maior com os médicos... mas aí já são outros quinhentos!
Concordo e muito! Eu sempre penso que a gente fica discutindo tudo isso porque mal ou bem tem um certo acesso à informação, mas essa não é a realidade da maioria das mulheres do nosso país. É praticamente impossível uma família ir contra o que diz o seu doutor, né? Eu mesma não consegui fazer isso com as minhas duas obstetras durante a gestação da Ísis! E nessa tive que ouvir muita besteira onde eu fui tomada como louca por ir contra o que os médicos dizem, afinal ele estudou medicina, né? E eu? Eu estudei nutrição... O trabalho das ONGs, das associações, dos blogs militantes é bom por isso: ajuda na sensação de não estar sozinha, mas não sou sonhadora: é preciso muito mais, é preciso envolvimento do Estado, estabelecimento de políticas públicas e mudança radical no nosso modelo obstétrico atual para que o parto digno não fique apenas restrito à classe média e superiores dos grandes centros. E para isso é preciso mobilização e esclarecimento, caso contrário vamos ouvir que o Governo incentiva o parto normal porque é mais barato... e a cesariana vai continuar como sinônimo de poder aquisitivo.
Aline: Eu consegui meu parto normal humanizado após uma cesárea e posso dizer com propriedade que todo esse processo é divino. Somos responsáveis por nossas escolhas mesmo quando tomamos uma decisão tipo tampando o sol com a peneira como foi o caso de sua conhecida. Eu aprendi muito com a cesárea do Victor. Foi essa experiência dolorosa que me fez acordar e realmente buscar o que eu queria. O André nasceu após 14horas de trabalho de parto ativo (muita massagem, bola e chuveiro) em uma banqueta de cócoras e ficou juntinho comigo até o cordão umbilical parar de pulsar...depois foi para o colo do papai! Foi maravilhoso!
Quando eu comecei a ler sobre parto e nascimento eu encontrei muitas histórias assim: mulheres que buscaram o parto normal depois de uma cesárea. Eu sempre me surpreendi com o fato de que as mulheres que haviam tido parto normal descreviam o nascimento de seus filhos de forma intensa, maravilhosa, com emoção (eu sempre choro lendo um relato de parto!) e que eu não encontrava isso numa que tivesse descrito o nascimento pela cesariana! Duas amigas minhas haviam tido um parto normal no primeiro filho e uma cesariana no segundo, ambas eletivas, a resposta delas ao meu questionamento de qual era melhor foi unânime: o parto normal. Porque é ilusório achar que você não vai sentir dor! Você vai! Experimente não tomar os remédios prescritos depois da cesariana...e a dor durará dias! E será uma dor ruim, proveniente de um corte enorme na barriga...já a dor do parto é muito diferente e não dura 15 dias ou mais!
Andrea: Meu parto foi cesárea, e eu nunca vou ter certeza, mas acredito ter sido desnecessária, e isso ainda me deixa muito triste, minha GO foi muito boa até o dia que cheguei nas 38 semanas e ela me deu inúmeros motivos para fazer cesarea, na tensão do momento, não conseguimos pensar na possibilidade de uma segunda opinião, acho que o que aconteceu comigo acontece demais por aí, médicos que escondem que vão te guiar para fazer uma cesárea, muito triste, mesmo.
Andrea, muito boa essa sua reflexão! A semana 38 é a semana da cesárea... E você tem razão: acontece demais mesmo, ainda mais para quem tem acesso aos planos de saúde ou pode pagar particular! E para quem não tem acesso, sobram os partos frank nas instituições públicas (salvo raras excessões)...entre um e outro não sei com qual ficar!
Simone: Sabe eu acho maluco tudo isso .... pq na minha cabecinha funciona assim .... ok cesarea é assim parto normal é assado O QUE EU QUERO .... faço a minha escolha e vou em busca dela ... me admira ver pessoas instruídas dizendo ah mas o médico disse (se aquele médico esta "te enganando" mude pq até que o bebe nasce vc pode mudar, to certa ?) .... a pq o bebe esta assim esta assado, eu acho que isso é muita conversa para fazer as mães mudarem de ideia .... eu me lembro de visitar uma maternidade quando ainda estava escolhendo o meu plano de parto quando a enfermeira diz (ele é o pai ??? é pq se for esquece pq a cabeça dele é muito grande COMO ASSIM ???) descartei na hora CLARO ou isso significa que na época da minha avó os bebes de pais cabeçudo não nasciam .... sei lá sabe eu acho que para se levantar uma bandeira vc tem que ter conhecimento de causa .... eu tive um parto normal pq lutei por ele caso contrario seria mais uma menina que teria feito cesarea pq o cordão umbilical estava enrolado no pescoço do bebe....
Você é uma guerreira! E sim, tem um lado meu que se revolta e pensa tudo isso mesmo, mas aí eu paro e penso em mim mesma e no quanto eu não evoluí em termos de preparação para o parto durante a gestação da Ísis, mesmo me considerando uma mulher esclarecida e tals. Certo, eu consegui meu parto normal hospitalar, quase dentro do que eu queria na época, e foi esse parto e essa emoção vivida que me fizeram querer mais numa próxima vez. Mas nos meus pensamentos eu não consigo deixar de pensar que somos pessoa diferentes, histórias de vida diferentes, condições mentais, intelectuais, emocionais diferentes...para que todas tenhamos direito de escolha, temos que tentar igualar as nossas diferenças, e isso não se consegue com ações individuais, infelizmente.