Imagens maravilhosas de nascimento daqui: http://amandagreavette.blogspot.com/
Acho que essa é a parte mais dolorida para mim, mas é a que mais me motiva em querer um parto para mim e nascimento para meu segundo filho mais humano, menos intervencionista, mais cheio de amor e carinho, menos cheio de procedimentos totalmente dispensáveis.
Acho importante ressaltar que minhas crenças pessoais (pré existência da alma e vidas múltiplas) e minha ligação com a Ísis me fizeram ir em busca de uma maneira mais amorosa de criar e educar, mais voltada para o respeito ao pequeno indivíduo que se lançou aos meus cuidados confiando que eu seria uma boa mãe para ele.
Essa ligação não veio durante a gravidez. Eu e a gravidez não nos entendemos muito bem desde o início. Eu não fui daquelas mulheres que amaram estar grávidas e achavam tudo uma maravilha. Eu sempre conversava com a Ísis sobre isso, que ela me perdoasse por alguns momentos de mal humor; meu amor a ela, minha filha, estava ali sempre, mas foi só quando ela nasceu e nos olhamos pela primeira vez que eu me liguei a ela, me apaixonei por ela e assim sigo até hoje.
Quando retornei para casa fui olhar as fotos que o meu marido havia feito durante o trabalho de parto e parto. A maioria depois que a Ísis nasceu, porque eu não quis fotos antes nem durante. Todas as fotos em que a Ísis aparece nos seus primeiros minutos de vida ela está chorando à plenos pulmões: na balança, na cama para medir, no banho na torneira, na aplicação do colírio - esta me marcou demais, me doeu o coração ver os olhos dela vermelhos e ela chorando desesperada, e eu ainda nem sabia que ela estava sentindo dor desnecessariamente - na colocação da roupa. E eu não vi nada disso na hora, eu estava tão voltada para mim mesma, tão satisfeita por ter parido, que não percebi os procedimentos desnecessários feitos nela. Eu não havia me interessado sobre a parte que lhe cabia, por mais espiritualista que eu seja, eu confiei que aqueles procedimentos todos eram necessários para o bem estar dela.
A Ísis só se acalmou depois que veio para o meu colo e dali não saiu mais. Eu não havia visto as fotos ainda, mas meu coração, que já estava ligado ao dela, não me permitia deixá-la longe de mim. O bercinho estava ali, ao lado da minha cama, as enfermeiras me diziam para colocá-la ali para que pudesse descansar, mas me doía fazer isso. Senti uma empatia muito grande com a minha filha desde o início, e eu, me colocando no lugar dela, soube que em nenhum lugar ela estaria melhor do que nos meus braços. Assim passei as duas noites no hospital, ela dormiu no meu colo o tempo todo e só saí de perto dela quando meu marido chegou e eu fui obrigada a participar de uma oficina sobre amamentação.
Em casa eu fui deixando cair por terra todos os meus pré-conceitos de não mãe. Não foi fácil, pois eu pouco sabia sobre isso, e meu lado mais racional ficava me soprando sempre que ela ficaria mal acostumada, mimada, que ela precisava aprender a ficar sozinha, dormir sozinha, que eu precisava de descanso. E eu sofri muito nos primeiros meses dela por conta disso. Era uma luta interna desesperadora entre aquela que eu havia sido e aquela mãe que estava nascendo.
Eu segui com minha filha ouvindo meu coração, não sem me questionar inúmeras vezes e ouvir conselhos de todos os tipos. Agi contrariamente à minha vontade em muitas ocasiões e sofri com isso. Mas eu na época não tinha acesso a novas (ou antigas) formas de pensar e recebia pouco apoio nas minhas dúvidas, era bem difícil conseguir explicar aquele sentimento que me inundava.
Hoje eu acho que passei a me enxergar na minha filha recém nascida. Isso me enlouquecia às vezes! Era como seu eu transferisse para ela sentimentos meus - de onde eles vinham? da minha alma? do meu inconsciente? eu estava relembrando sentimentos meus quando recém nascida?
A vida foi retomando seu curso, a licença maternidade estava acabando e eu precisava fazer a adaptação da Ísis na escolinha. Posso dizer que aquele foi o pior mês da minha vida! Sinceramente, essa separação brusca que sofremos quando precisei voltar a trabalhar ainda me dói e eu comecei a me questionar na volta ao trabalho: será que eu não deveria abandonar tudo? Ali começaram os meus dilemas maternidade x carreira, que só muito tempo depois foram resolvidos.
Na volta ao trabalho, passava 10 horas longe da minha filha de 7 meses. 10 horas! Eu sofria sempre que a deixava, eu sofria quando aparecia de surpresa e a via sentada num canto, apática, olhando o nada, quando a encontrava dormindo no meio de tantas outras crianças e de tanto barulho e luz.
Um dia ela se rendeu ao leite artificial, me desmamou e assim surgiu o blog. Eu fui conhecendo outras mães, outras maneiras de pensar, recomendações até então totalmente desconhecidas, novos autores, novas idéias; e tudo isso foi encontrando eco no meu coração! Finalmente eu encontrava pessoas que pensavam como eu! E melhor: conseguiam colocar em palavras sentimentos meus até então sem explicação.
Dali para as leituras de livros e a curiosidade de voltar ao dia do meu parto, agora com outro olhar, foi muito rápido. Foi então que eu li o livro Nascer Sorrindo e eu chorei, chorei muito lembrando de tudo que a Ísis havia passado após seu nascimento, eu consegui entender finalmente a angústia que senti (e sinto até hoje) ao olhar as fotos dela chorando, eu entendi que sim, quando ela nasceu eu relembrei minha própria angústia nos primeiros momentos fora do ventre de minha mãe.
Eu tive certeza que o nascer não deveria ser assim: a dor de se ver sem ar de uma hora para outra por ter o cordão umbilical cortado antes de parar de pulsar, a dor de ter seu pequeno corpo invadido por cânulas (o som daquele momento ficou gravado em mim) sem a menor necessidade, a angústia de ser colocada sobre uma balança, de costas, numa sala iluminada demais a ferir olhos que nunca antes viram uma luz tão forte, a dor de ter seu pequeno corpo, antes sempre curvado, esticado até a ponta dos dedos apenas para conhecermos sua altura, a ardência e a cegueira causada por um colírio totalmente desnecessário, a solidão dos minutos longe daquela que havia sido até então seu lar, seu porto seguro. E depois de ficar uns minutos com a mãe, minutos calmos, serenos - ela está aqui, não me abandonou, eu a reconheço, estou segura - ser levada para uma pia e esfregada para ficar "limpa", quando na verdade ela viera do lugar mais limpo onde estará por toda a vida, a dor da injeção de vitamina K, que poderia ser ministrada oralmente, a dor de uma vacina desnecessária naquele momento, uma vez que protege contra uma doença sexualmente transmissível.
Essa dor dela ficou gravada em mim, provavelmente porque também a vivi, assim como a vivem milhares de bebês recém nascidos ao redor do mundo.
O nascimento de um filho é um momento especial. Alguém se lançou na aventura de mais uma existência na Terra e está para ser despejado para fora do ventre de sua mãe, ele sente medo, claro, a vida que começa é uma surpresa, é desconhecida, ele está frágil, reduzido ao corpo de um bebê pequenino que para tudo depende de outra pessoa.
Ao chegar aqui ele deveria ser recebido com amor, com aconchego, com colo e peito de mãe, palavras doces, suaves, penumbra para que seus frágeis olhos não sejam feridos, pouca manipulação, respeito. Ser recebido assim fará com que ele seja mais otimista diante da vida que começa, mais seguro da escolha que fez, a esperança de bem realizar o que se propôs se enraizará nele, pois sente que se foi recebido com todo amor e respeito por seus pais, terá o apoio necessário na sua jornada.
Eu não entendia até bem pouco tempo atrás porque eu sempre chorava assistindo aos vídeos de partos domiciliares, naquela cena em que o bebê sai do ventre diretamente para o colo de sua mãe e é acolhido com todo amor e respeito, todo aconhego e carinho daqueles que serão seus pais. Eu gostaria de ter nascido assim. Eu gostaria que minha filha tivesse nascido assim. Eu quero que meu segundo filho tenha a chance de nascer assim.