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sábado, 26 de abril de 2014

Onde houver poluição, que eu enxergue nuvens de algodão

O Lírio do Pântano

Ela olhou pela janela do carro e sorriu para mim, enquanto falava empolgada:

- Mamãe, olha ali! Olha! São aquelas máquinas que fazem as nuvens! Descobri!

Eu olhei, mas vi outra coisa. Fechei os olhos. Abri novamente. E nos segundos seguintes eu pude ver onde nascem as nuvens.


segunda-feira, 14 de abril de 2014

O médico e a síndrome do dentista mergulhador

Vocês já assistiram ao desenho Procurando Nemo?

Eu já assisti algumas vezes. A primeira vem em que o vi ainda nem sonhava em ser mãe. Meu marido havia viajado por alguns dias e eu passei na locadora para ver todos os filmes que eu gostaria de assistir, mas que ele não tinha vontade de ver comigo. Desenhos animados eram alguns deles.

Cabe ressaltar que hoje, pelos filhos, ele assiste a vários desenhos animados. Re-pe-ti-da-men-te! Não posso deixar de sentir uma certa satisfação sarcástica com isso. :)

Mas voltando ao Procurando Nemo...

Semana passada minha filha pediu para vermos esse desenho novamente e uma cena me chamou a atenção: a cena em que o dentista mergulhador retira o Nemo das redondezas do coral e o leva num saco plástico para seu aquário particular.

Ao falar sobre o peixinho a um paciente ele explica algo como isso: o pobrezinho estava morrendo no coral e eu o salvei.



No mesmo instante eu me lembrei dos médicos com quem tive a oportunidade de conversar sobre o nascimento do Pedro - o atual pediatra dele é um deles - e alguns médicos que se manifestam em entrevistas sobre parto natural, principalmente o domiciliar.

Em todas as oportunidades eu ouvi diversas falas sobre os muitos problemas relacionados com o parto normal, desde risco de morte até traumatismos e problemas psicomotores. O médico e a medicina estão ali para salvar aquela mulher e aquele bebê desses males.

Eu, como uma pessoa apaixonada pelo assunto e estudiosa do parto desde o nascimento da minha primogênita, entendo perfeitamente essa postura médica, principalmente em obstetras e pediatras. Durante sua formação médica eles passam anos da vida aprendendo sobre as anomalias, sobre tudo o que pode dar errado -  e dá algumas vezes - durante o evento parto.

Em todas as vezes, a fala que mais me chama a atenção é o medo que eles sentem de não poder controlar o parto. O parto é um evento imprevisível, ainda que possa gozar de alguma previsibilidade. O parto é algo que acontece no corpo da mulher, interno, silêncio, penumbra.

Então, diante de toda essa incerteza, ainda que se saiba através das evidências científicas que cerca de 85% das mulheres são gestantes de baixo risco e teriam seus filhos saudavelmente sem intervenções, o médico não consegue simplesmente observar, acolher, assistir. Ele tem que agir. E na sua ação, tal qual o dentista mergulhador do desenho do Nemo, acaba piorando uma situação que estava sob controle e que terminaria bem, sem a necessidade de intervenções.



Caso o dentista mergulhador fosse um bom observador e tivesse a paciência de contemplar algo que ele desconhecia -  a vida marinha no coral - muito provavelmente ele teria visto o pequeno Nemo, após sua crise de afirmação de independência, retornar para perto do pai, no coral. São e salvo. O pai lhe daria uma bronca por ter se afastando e fim da história.

O que vimos no desenho, porém, foi a ação do dentista. Uma intervenção no curso natural dos acontecimentos, uma péssima observação sobre o que estava a sua frente. Ele não fez por mal, acreditava com todas as suas forças que estava salvando aquele peixinho da morte!

O dentista, tal qual  médico intervencionista, acredita que está agindo em prol do bem estar. Mas, na maioria das vezes, está salvando alguém que não precisa ser salvo. Os médicos acreditam piamente que salvam as mulheres e seus bebês quando agem de forma intervencionista, sem a menor necessidade.

No caso do pequeno Nemo, a intervenção do dentista deu origem a uma jornada perigosa de seu pai para encontrá-lo. Felizmente, tudo acabou bem.

No caso das mulheres que sofrem intervenções desnecessárias, a jornada é igualmente perigosa e pode terminar com a morte da mãe, do bebê, ou de ambos. Felizmente, em muitos casos, tudo termina bem.

Mas e quando não termina?

O obstetra humanizado Ricardo Jones, em seu livro Memórias de um Homem de Vidro, narra uma cena de parto que acontece no Centro Obstétrico e que, segundo ele, é um divisor de águas na sua atuação médica de assistência ao parto.

No fim, quando ele se encontra sozinho na sala onde uma mulher pariu sem perceber sua presença, como se ele fosse feito de vidro, uma enfermeira lhe pergunta: Já pensou o que aconteceria se o senhor não estivesse por perto?

E ele responde para si mesmo que provavelmente aquela mulher teria seu filho com maior tranquilidade.

Nesses dias em que todas as pessoas intimamente ligadas à causa da humanização dos nascimentos no Brasil estiveram mobilizadas devido à intervenção da justiça durante o trabalho de parto de Adelir, na cidade de Torres-RS, esse capítulo do livro do Dr. Ric Jones não me saía da cabeça.

E se não tivesse acontecido essa intervenção judicial?

Muito provavelmente Adelir teria parido com mais tranquilidade. Talvez a cesariana estivesse mesmo em seu caminho, já que a maioria dos obstetras hoje não sabe assistir um parto, apenas realizar cirurgias.

Mas assim como a intervenção do dentista mergulhador deu origem a uma jornada de auto conhecimento, de superação de medos e de fortalecimento de vínculo, quem sabe as intervenções desnecessárias pelas quais passam diversas mulheres durante o trabalho de parto Brasil afora, com Adelir representando o ápice da violência obstétrica no Brasil, não saiamos todas mais fortalecidas em nosso vínculo com nosso corpo, que inclui a escolha da via de parto.

Eu vivi a minha jornada em busca de um parto digno, respeitoso, seguro, íntimo. Tive duas oportunidades de parir nessa vida. Trilhei meu caminho e durante esse percurso tive muita ajuda. Felizmente me cerquei de pessoas que pensavam como eu, afastei aquelas que não entendiam minhas escolhas. Para minha sorte, a vida me levou para longe de Torres-RS, minha cidade da infância. Mas eu poderia ter sido Adelir.

Como você deseja parir quando for a sua vez?

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Percebendo o parto como marco de transformação


Eu sei que falar de parto é um assunto delicado. Eu, no começo da minha vida na blogosfera, li muitos artigos sobre parto. Alguns considerei bem agressivos (hoje já não penso mais assim), mas a verdade é que todos eles foram importantes na desconstrução da imagem que eu tinha sobre gestar e parir no Brasil, gestar e parir no nosso sistema obstétrico.

O que eu não sabia naquela época era que o processo de busca pelo direito de parir com respeito e dignidade também seria um processo de auto conhecimento. Mais ainda: seria um processo de quebra de paradigmas, de desconstrução de teorias apreendidas pela minha vida afora.

Se você, como eu, está na casa dos trinta anos, há uma grande possibilidade do seu nascimento ter sido por via vaginal, dentro de um ambiente hospitalar e repleto de intervenções.

Se você tem menos de trinta anos, então é muito provável que você tenha chegado ao lado de cá da vida através de uma cirurgia de extração fetal: a cesariana. Hoje, mais da metade dos nascimentos brasileiros são feitos através de uma cirurgia. Planos de saúde potencializam esse número para quase a totalidade dos nascimentos.

Neste ponto do texto vamos esquecer um pouco as vantagens e desvantagens, os prós e contras. Não é disso que quero falar hoje.

Hoje eu quero te propor uma conversa sobre como o parto, esse evento fisiológico e da sexualidade feminina, pode ser um marco de transformação na sua vida, um agente potencializador da sua humanidade, da sua evolução como ser humano e, também, da sua própria visão do feminino, da sua feminilidade.


Eu sou uma mulher comum. Nasci de um parto vaginal hospitalar cheio de intervenções. Venho de uma família de mulheres que, em teoria, não conseguem ou não podem parir. Ou ganham seus filhos com muito sofrimento.

Em determinado momento eu quis romper com esse estigma. A partir dessa decisão, minha maneira de enxergar o mundo nunca mais foi a mesma. Então, a partir desse ponto, eu só posso te dizer uma coisa: se você está satisfeita com a maneira como você vê o mundo, se você acha que tudo está onde deveria estar, ou se você acha que você, uma mulher, uma simples mulher, não pode fazer nada para mudar a sua vida, abandone esta reflexão agora. Paramos aqui e seguimos juntas em outras esferas.

Mas se você seguir, tenho certeza que você será capaz de enxergar o parto, não como um flagelo feminino, um flagelo impingido por ninguém menos que Deus, veja bem; tenho certeza que você enxergará o parto para além do evento fisiológico que ele é. Um véu cairá e você entenderá alguns dos motivos pelos quais o parto é um agente potencializador da vida, para além da possibilidade de trazer um filho à luz!

Todos nós queremos buscar o melhor para nós, certo? E para além de nós mesmos, queremos sempre o melhor para aqueles que amamos. Para conseguirmos esse melhor fomos dotados da capacidade de raciocínio e, porque não, do instinto.

Então quando eu estava gestando minha primeira filha, meu instinto me dizia que parir por via vaginal era o melhor. O raciocínio fez com que eu fosse em busca de informações. Achei muitas na internet. Tive convicção de que faria todo o meu possível para ter um parto normal, caso não houvesse riscos.

E como eu estava dentro da estatística que preconiza que cerca de 85% das mulheres são gestantes de baixo risco, eu tive um parto normal hospitalar, com todas as intervenções de praxe, inclusive uma episiotomia indesejada, um parto talvez melhor do que o da minha mãe, porque tive analgesia sem complicações.

E depois do parto, uma constatação: parir assim é uma guerra. Uma inquietação surgiu, mas eu ainda não havia retirado totalmente o véu.

Assim como no parto, minha maternidade nos primeiros meses após o nascimento da minha filha foi cerceado por informações desencontradas, teorias sem fundamento e foco no desapego, na independência daquele bebê que nasceu para ser apegado, acalentado, cuidado e protegido.

Aquela inquietação inicial se transformou em desejo de fazer diferente. E numa segunda oportunidade eu não me deixei enganar ou esmorecer. Eu busquei o melhor para mim e para o meu bebê.

Após o parto, impossível não me embriagar no coquetel do amor, que nos inunda as veias e nos faz sentir capazes de transformar o mundo. O amor e sua química são mesmo agentes de mudança poderosos! Eu me senti uma guerreira, eu havia lutado e vencido, eu havia vivido o melhor e nada menos que isso me contentaria depois.

Por desejar o melhor eu fiz escolhas diferenciadas, não nego. Escolhas apoiadas. Sem apoio, nada se consegue.

Após o parto eu nunca mais me conformaria com o senso comum, com a vida seguindo seu curso sem que eu percebesse os dias passando, com os dias e noites surgindo e sumindo sem que eu estivesse realizando um propósito. O tempo fluindo, sem que eu estivesse plenamente consciente da sua importância.

Com o processo de escolha do parto humanizado e domiciliar, veio também o pacote bônus: amamentação em livre demanda, prolongada, visando ao desmame natural; criação com apego e o desejo forte de educar sem castigos, sem gritos (ainda falho aqui, como vocês sabem) e educar com foco na legitimidade infantil, legitimidade de seus anseios, necessidades, desejos, incapacidades.

E para além dos filhos, o processo de parir também me empoderou de maneira tal que eu passei a ser importante em todo o processo. Eu passei a legitimar minhas vontades, minhas não vontades. Passei a ser agente da minha transformação, passei a viver com consciência de mim mesma.

E é sempre importante lembrar: não quero dizer como você deve viver a sua vida. Eu não tolero que façam isso comigo. Eu quero que você saiba que, se algo te incomoda, se você sente que algo está fora do lugar na sua vida, é porque está. E você sempre pode mudar isso.

E, também é sempre bom dizer: eu não quero que você faça as minhas escolhas. Eu quero que você faça as suas escolhas! E eu e você estaremos trilhando o nosso caminho, seguindo a nossa jornada, vivendo a nossa verdade. E não a verdade que nos dizem para viver.



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